Frei Hermano da Câmara sempre foi o meu frei preferido. Prefiro-o ao Frei Luís de Sousa e até ao Frei, o esforçado avançado suíço que defende actualmente as cores do fluorescente Borussia de Dortmund. E digo já porquê. Entrementes, para deleite de quem quiser e souber apreciar o saber no seu estado mais puro, fica uma assombrosa miscelânea de História Biográfica, Musicologia, Moda, Teologia, Antropologia, Etnografia e Sociologia. Porque discorrer sobre Frei Hermano assim o exige. Algures não sei quando, Hermano Vasco Villar Cabral da Câmara resolve, qual Cat Stevens da Mouraria, tornar-se monge. Na altura, deve-se ter falado em epifanias e nos chamamentos divinos do costume, mas, a meu ver, a opção reveste-se de contornos muito mais terrenos. As pessoas que vão para monge não passam de indivíduos que gostam muito de andar de fato de treino. Que, portanto, prezam bastante o conforto das vestimentas e menos as imposições sociais que gravitam à volta do traje, esse símbolo da pós-modernidade decadente e cheia de humidade e bolores nos cantos. Se tamanha temeridade me for permitida, até posso aprofundar esta minha tese. Escarafunchar, portanto. Ora então, indo lá a isso, é óbvio que toda a gente preferia andar de fato de treino ou robe o dia inteiro. São as vestes mais confortáveis que existem e ponto final. Eu, sempre que vou a algum lado e não preciso de sair do carro, vou de cuecas e tem dias que nem visto sequer uma camisa e deixo-me ir muito mais confortável com a minha camisola interior da Stucomat é uma grande tinta, Stucomat é da Robialac. Mas mais que isso também não sou capaz. E porquê? A questão aqui é que há regras, socialmente estruturadas e, até ver, inabaláveis, que impelem as pessoas para o uso de roupagens muito menos confortáveis, mas, em contrapartida, bem mais aprazíveis do ponto de vista do consenso e aceitação social que, por exemplo, um fato de treino de pele de pêssego. Mas há pessoas que não se vergam perante qualquer tipo de imposição à qual não reconhecem autoridade. Que, só porque a sociedade assim lhes ordena, não estão para andar desconfortáveis. Este sentimento, de rebelião contra a roupagem imposta, revela-se bastante cedo e tem-se bifurcado em dois comportamentos bastante específicos. Uma vez que são pessoas que gostam bastante de andar de fato de treino ou, se possível, até robe, o que se verifica é que, das duas, uma: ou eram bons a educação física e vão para professores de ginástica, ou eram bons a Religião e Moral e vão para catequistas ou coisas dessas assim de ensinar a ser Deus. Ou seja, e como se terá já por esta altura compreendido, a rebelião destes elementos contra a ordem social imposta nunca se manifesta como total ou absoluta. Ao invés disso, estes grupos sociais optaram por encontrar e desenvolver nichos sociais onde lhes é possível andar de robe ou fato de treino sem que ninguém os proscreva e condene. Frei Hermano é um deles. Sempre preferiu estar confortável e, apenas por isso, foi para monge. Não se trata de vocação, mas sim de preferência. Ninguém tem vocação para nada. Isso são cantigas de neoliberais que falam com o bandulho cheio. Temos é preferências. Frei Hermano teve a sua. Andar confortável o resto da sua vida. Ser monge é isso. É poder andar de robe para sempre. Sempre! Convenhamos que é uma oferta aliciante e, por isso, mas só por isso, é que a profissão de monge apresenta alguns pontos negativos. Explicitando melhor a coisa, adiante-se que o código deontológico dos monges estipula, como regra essencial, a ascese. O mesmo é dizer nada de Playstation e de carnalidades. E tem que ser assim. É que, se assim não fosse, se houvesse Playstation e bambochatas nos mosteiros, toda a gente ia para monge. Porque toda a gente prefere andar todo o santo dia de robe, claro. A estipulação destas regras funciona como medida preventiva e pretende que vá para monge apenas aqueles para quem a liberdade de vestuário é tudo. Mesmo que, à primeira vista, o hábito dos monges pareça que tem uma textura um pouco semelhante à serapilheira, convém lembrar que, tal como se fazia com aquelas camisolas de lã que picava como tudo, basta usar uma camisola por baixo para tudo voltar ao ponto máximo da confortabilidade. Sim, aquilo não é para usar em cima da pele.
Não obstante tudo o que foi pronunciado, a razão por que prefiro o Frei Hermano ao Frei Luís e ao Frei é de natureza distinta. Hermano, além de monge, é um afamado intérprete de melodias tradicionais e sacras. Logo aqui, há que destacar Frei Hermano da Câmara. Destacar porque no ranking de nome mais porreiro do mundo da música, Frei só perde para Ney Matogrosso. Mas, ainda acima disso, surge o facto de, no seu imenso repertório, existir uma cantiga que, por si só, é coisa para cristalizar eternamente o carácter visionário de Frei Hermano. É nesta canção que se percebe, de forma inequívoca e irreversível, como seria um desperdício ignorar o absurdo potencial que Jesus possui enquanto clube de futebol. O título é, precisamente, “Jesus” e faz parte de “Suave Milagre – O Melhor de Frei Hermano”, uma obra imprescindível em todas as fonotecas e até videotecas. Se houver teledisco disto. Não sei se há. É capaz de haver. Frei Hermano, não de forma directa e prosaica, mas, antes pelo contrário, de forma rebuçada e profunda, procura mostrar ao mundo, e sobretudo às ordens instituídas, como Jesus precisa de se adaptar aos novos tempos. Jesus precisa de ser um clube de futebol. Sim, outros teóricos já tinham pensado nisso e até tecido considerandos. Mas algum se chegou à frente e criou um cântico para usar no estádio? Não. Foi o Hermano. Foi o Hermano que rompeu com o carácter monocórdico e sem ritmo de estádio que populares cânticos como o Pai-nosso e o Ave-maria sempre tiveram. Populares, mas que impediam Jesus de ser um clube de futebol. Hermano já fez a sua parte. Para quando um Sporting x Jesus?
É favor acompanhar as palmas com ritmo condizente e gritar a parte do “Jesus!” com força!