Nunca fui grande fã de interacções humanos/bonecos. Haverá, como em tudo nesta vida, excepções, mas, à partida, não é coisa que me faça lamber os beiços ou dançar sapateado apetrechado de um chapéu de feltro e uma bengala daquelas só para o estilo. Ou é com bonecos ou com pessoas. Já bastava quando metiam aquelas histórias horríveis sobre pessoas a sério nos livros do Tio Patinhas. Na Rua Sésamo, isso dos humanos na paródia com bonecos era costumeiro. No rol das chamadas “pessoas”, tínhamos por exemplo o André e a Guiomar que, juntos, protagonizaram a relação de vai-não-vai com menos tensão sexual de que tenho memória. Ele, André, interpretado por um Vítor Norte ainda longe de sucessos esmagadores como “Cluedo” ou “Esquadra de Polícia”, mas já com aquela cara de “eu quero é deboche a toda a hora e em todo o lado, mas queria ter na mesma qualquer coisa de Luís Miguel Cintra para não parecer que estou é sempre a pensar em cowboyadas”. Ela, Alexandra Lencastre, novinha, e, inexplicavelmente, sempre enfarpelada com grossas e largueironas camisas de flanela, para além dos inconvenientes livros e pastas que transportava sempre junto ao peito. Ora, até ver, Alexandra Lencastre é sinónimo de mamas. Se, por qualquer camisa de flanela largueirona e monte de cadernos, não há qualquer vestígio de mamas, não vale a pena haver Alexandre Lencastre. Se era para isso, punham uma actriz a sério, uma daquelas que diz que a sua grande paixão é fazer teatro experimental daquele só com choradeira, berros e pessoas feias em pelota.
Foi, por isso, por não ter qualquer memória das mamas da Alexandra Lencastre na Rua Sésamo, que estranhei quando o Fernando Lopes, o realizador que, na altura, era produtor da série, disse numa entrevista que, certo dia, tinha chamado a Xana ao seu gabinete para lhe passar a seguinte novidade, e passo a citar de cabeça: “Alexandra, não te posso ter mais aqui. Não quero ter os putos todos a masturbarem-se por tua causa”. Não me parece que fosse um problema assim tão real ou frequente. Não há, por exemplo, comparação possível entre a Alexandra Lencastre da Rua Sésamo e a Alexandra Lencastre do genérico da “Ana e os sete”. É a eterna diferença entre uma camisa de flanela grossa e um varão de clube de strip. Seja como for, já todos sabemos o que o Fernando Lopes fazia durante e/ou logo após a Rua Sésamo. Também já sabemos como é que o Fernando Lopes interpretava os primeiros versos da canção de abertura da Rua Sésamo que, relembro, consistia num até aqui puro e virginal “vem brincar, traz um amigo teu”. E, sim senhoras, aqui fica uma bela imagem mental. Daquelas reconfortantes, para adormecer.
Ora bem, chateavam-me os humanos numa série de bonecos. E chateavam-me alguns bonecos ou algumas coisas de alguns bonecos. O Egas e o Becas tinham demasiado tempo d’antena. Junto com eles, o seu hábito de tomar banho juntos e lutar constantemente pelo usufruto de um patinho de borracha de cor amarelo deslavado. Além disso, Becas é nome de mulher, que eu bem sei. É diminutivo de Rebeca ou qualquer coisa assim. Porque é que não se chamavam Egas e Rui, por exemplo? A sonoridade era menor, mas, caramba, Rui sempre é nome de homem. Becas não. Depois, o Ferrão metia um bocado de medo. Vivia num lagar, mas nunca o víamos pisar uvas, e parecia um daqueles desperdícios de oficina ensopados em mousse de chocolate ou, quem sabe, até cocó. Mas, uma coisa é certa, de entre muita porcaria que deixou marca de cinto de fivela, a Rua Sésamo também tinha coisas boas e com a sua graça. E quem nunca chateava ninguém era o Monstro das Bolachas. Era um gajo unânime. Daí que, quando aqui há tempos se disse que na versão americana o descontrolado mostrengo iria dosear a sua eterna avidez de biscoitos e até começar a comer espargos e sopa de nabiças, muita gente tenha ficado estarrecida. Roubavam a essência, a alma, a uma das grandes personagens da Rua Sésamo. Aparentemente, alguém achou que o Monstro das Bolachas não dava um bom exemplo para as crianças e poderia estar a contribuir para o aumento dos casos de obesidade infantil. É óbvio que é chato haver muitos gordos de tenra idade. Ninguém quer que grasse por aí uma epidemia de gordos. Ainda criam um exército revoltado e depois é uma chatice, sobretudo porque eles são lentos mas aguentam muitos murros, como o Zangief do Street Fighter. Percebe-se então o problema. A proporção de gordos necessária a qualquer sociedade saudável é de um para quatro putos normais. Em cinco putos, um pode, e deve, ser gordo. Para ir à baliza. E o problema, na América, é que já se estão a atingir números alarmantes: em cada três crianças, uma é gorda. Isto significar que, nos Estados Unidos, é mesmo bastante provável que uma equipa de cinco miúdos tenha dois gordos. Dois guarda-redes. Uma tragédia. Era, está visto, urgente intervir.
Na versão Sul-Africana, aconteceu uma coisa do género. Por lá, como se sabe, não há muitos putos morfologicamente perfeitos para ir à baliza, mas há outros problemas a aterrorizar a população. E, há pouco tempo, decidiram introduzir uma nova personagem: Kami, um boneco que tem sida e que mostra a todos como a condição de seropositivo não deve ser nenhum estigma. Tudo isto será, porventura, um bocado confuso. Não se pode comer bolachas, mas pode-se ter sida? Então agora os miúdos já não vão todos querer imitar a Kami e desatar para aí a apanhar sida em tudo quanto é canto? Coerência é o mínimo que se pode exigir ao moldador de carácter que a Rua Sésamo diz ser. Enfim, independentemente disso, e nada tendo contra a Kami, à partida também não sou apologista da introdução de novas personagens em séries já cimentadas e com uma considerável e fiel base de fãs. Se tinha mesmo que ser, deviam ter aproveitado para aplicar os novos conceitos às personagens já existentes. E, já que nos tiraram o Monstro das Bolachas como sempre o conhecemos e admirámos, ao menos enfiassem com a sida no Poupas, por exemplo. Um Poupas com sida era um Poupas mais suportável. Era um Poupas com a esperança de vida que sempre mereceu.
said...
Eu cá também acho que deveria ser uma personagem já existentente a apanhar sida. O ideal era que fosse o Rui "Becas", pois ensinaria à criançada que Deus, de uma forma ou de outra, castiga.
menina-m said...
eu sempre gostei do egas e do becas, mas acho que aquela relação nunca deixou de ser o mais gayzola possível. o que prova que a rua sésamo estava muito à frente do seu tempo: antes que as associações gays protestassem, eles, pimba, meteram os dois room mates mais miticos da bonecada de feltro.
naturalmente que subscrevo a revolta contra um monstro das bolachas descaracterizado e transformado em poppey azul e felpudo.
said...
Parabéns pelo excelente blog!
Espero que na versão sul-africana se lembrem de explicar que o personagem com SIDA não se vai curar violando uma "virgem"
Há confusões do caraças...
said...
epah o monstro das bolachas é um clássico! ganda mítico! quando for grande quero ser como ele, azul e tudo!
Frankie
Captain Dildough said...
"...sobretudo porque eles são lentos mas aguentam muitos murros, como o Zangief do Street Fighter."
São estes pequenos pormenores que tornam difícil, se não impossível!, não desenhar um sorriso pateta no meu rosto sisudo e viril.
Isabel Paixão said...
Becas pode ser diminutivo de Rebeca, ou de outro nome qualquer. A minha irmã chama-me Becas desde que me lembro. Não sei se por influência desta mítica série de tv, que tanto me fez rir. Lembro-me de aprender a fazer barcos de papel com o Poupas, de chamar Avó Xica à minha avó, de brincar às estátuas com a minha irmã, de me perguntar o que raio era um agripino... Sei que ainda tenho uns episódios gravados numa cassete qualquer. Ahhh bons tempos. É isso e Os Marretas, mítico...