Levo já vários anos a ver televisão. Mais de duas décadas de experiência acumulada nesse ramo do saber. Aproveito até este bocadinho para anunciar ao mundo que no exacto dia em que eu nasci, nascia também a televisão a cores
Bem, serve este pequeno intróito, que vou fazer questão que acabe por ficar maior que o que se lhe segue, para dizer que me considero uma inatacável autoridade na matéria “televisão a cores”. Cronologicamente, ela nasceu comigo. E, em todos os anos que levo a ver televisão, já deu para perceber que existem duas entidades profissionais que se apresentam no mundo audiovisual de forma distinta das demais. A saber, os polícias e as altas patentes do exército. E destacam-se pelo simples facto de serem as únicas que, invariavelmente, aparecem na televisão com a roupa de trabalho. Com as fardas, vá.
Sempre que vão aos noticiários, às entrevistas, aos debates, estas duas entidades profissionais parece que têm que figurar fardadas. Não se percebe porquê. Os polícias, por exemplo, que até aparecem bastante, podiam, mesmo dentro do contexto “farda”, ir variando qualquer coisita. Podiam, sei lá, ir como os agentes do teledisco “Sabotage”, dos Beastie Boys. Ou vestirem-se à polícia sinaleiro, com aquela indumentária que até chegou a ilustrar uns sinais de trânsito aqui há uns anos. Com um chapéuzinho à polícia inglês, mas em branco; umas luvas ali já a caminhar para o compridote, também elas brancas; e uma farda num azul bem mais vivo que a indumentária padrão. Parecia de ganga e tudo. E desde quando é que um fato completo de ganga é feio ou parece mal? Vamos lá ver, afinal de contas, a farda desse virtuoso indivíduo que, qual maestro de renome mundial, coordena toda uma orquestra de automobilistas, é tabu quando toca a aparecer na TV, é? Vai um polícia ao “Prós e Contras”, pronto, já se sabe que vai todo equipado, como se aquilo fosse a Rua Sésamo e as pessoas, para não confundirem os mais garotos, se vestissem consoante aquilo que fazem profissionalmente. Um teatrozinho, com roupinhas e tudo. Podia ser assim com todos então. Os médicos iam de bata branca e com o estetoscópio. Os engenheiros civis iam com um capacete amarelo e uma pasta com folhas cheias de gruas e prédios desenhados. O talhante iria com um avental largo, sujo de sangue, e com um cutelo. O terrorista ia de árabe, com aquela touca, a barba e umas barras de dinamite, daquelas vermelhas compridas iguais às dos bonecos. E por aí fora. Quem ligasse a TV a meio do debate, facilmente perceberia quem era o quê. Deve ser esta dinâmica que os polícias e o pessoal do exército querem estabelecer como regra.
Não postergando o pessoal da polícia, os meus preferidos acabam mesmo por ser os generais e os coronéis, esse pessoal das continências e que combinam os duelos. Aparecem sempre com os seus pins, as bandeirinhas, as estrelinhas e até uns aviõezinhos de brincar, tudo preso ali por cima do bolso do casaco. Parecem aqueles miúdos que ganharam uma corrida de corta-mato no sábado e levam a medalha ao pescoço a semana toda para tudo quanto é lado. Os generais, os marechais e os coronéis são assim. Mas não é só durante uma semana. Não se fartam. Este pessoal, para aparecer na TV, produz-se de tal forma que mais parece que vão a enterrar a seguir e não lhes dá jeito ainda ir a casa. Vão directos para o velório. Vestidos de abajur pindérico. Por uma vez, gostava de ver um gajo do exército vestido à civil na TV. A dar opiniões, a matutar, a discutir temas, assuntos, temáticas, matérias, conteúdos, teores. Enfim, coisas. Bem, o Valentim Loureiro, vulgo Major, será a excepção à regra, porque, verdade seja dita, até já de chambre, à porta de casa, o vimos aos gritos em frente às câmaras. Mas o grande problema é que, agora, à pala dessa mania já instituída, as altas patentes do exército correm o risco de, quando quiserem ir assim mais desportivos para um debate, alguém lhes dizer “Você aí de calções de ganga e pólo preto da Macieira é que é o General Costa Guedes? Ponha-se mas é a andar. Quem é que pensa que engana?” e ficar à porta. Ou, quanto muito, até conseguir o tempo d’antena, mas, porque não está vestido como nos habituaram a ver, ninguém acreditar nele. Podem muito bem já ter entrado num ponto sem retorno em relação a estas coisas. E é bem feita. Pronto. Era só isto.
El Ranys said...
Peço desculpa pela intromissão, mas o que recordo com mais saudade dos primórdios da televisão a cores é a Valentina Torres e as suas fatiotas rendadas.
Não é por nada, mas senti que tinha que partilhar isto...
said...
Tem graça que no outro dia ouvi o Armando Gama a dizer exactamente o mesmo! Além disso ele também disse que, desde aquela vez em que foi aos Açores, que anda farto de comer carne de baleia.
J. Salinas said...
Obrigadinho a ambos pelas maravilhosas imagens mentais da Valentina Torres com uma indumentária rendada e do seu esposo a comer carne de baleia. Não sei qual a mais perturbadora.
Talvez a segunda, até porque, e uma vez que não consigo deixar de incluir a Valentina Torres em ambas, o Armando Gama a comer uma baleia deve ser coisa para cegar.