Da esquerda para a direita: sério, na foto para o passe social e para o cartão das vacinas (1947), nostálgico, na reunião da tropa a recordar as desventuras do Antunes nas latrinas (1971); enojado, ao ver como um camarada conseguia desentupir a uretra com um arame (1983); e, finalmente, indignado, quando a jornalista da CNN lhe perguntou se era circuncidado (1997).
Regressado, meteu-se lá numas confusões por causa dumas partilhas e duns terrenos, e andou fugido da polícia secreta durante sete belos anos, temporada que aproveitou para juntar um exército com o propósito de derrubar quem quer que estivesse no poder. Não era nada de pessoal, portanto. O nome do seu esquadrão é que era bem porreiro, Khmer Vermelho, e as pessoas devem ter votado nele por causa disso. Isto, claro, se o Cambodja fosse a democracia que nunca foi. Acabou mesmo por ser à bordoada, e com o apoio dos chineses (apoio a sério, não é ficar a ver e a dizer ‘dá-lhe!’, ‘força, Pol!’ ou ‘cuidado, atrás de ti!’), que Pol Pot chegou a líder. E ia-se fazer história.
O regime de Pol Pot matou mais de dois milhões de pessoas, tendo, como alvos preferenciais, monges budistas, intelectuais que tivessem estudado no ocidente, pessoas com óculos e grupos étnicos, como pessoal do Laos e do Vietname. Imaginam esta proposta a ser apresentada lá nas reuniões do Pol Pot com os seus acessores ou aos seus compatriotas? “Temos que livrar o Cambodja de muito lixo! Espiões do Laos e do Vietname, intelectuais com formação no ocidente capitalista, monges budistas com a sua religião capitalista e… deixa cá ver quem mais... ah, sim, caixas de óculos!”. Convenhamos que deve ser complicado, para os gajos do Laos e para os vietnamitas, deixar de parecer que o são e, logo, pouco havia a fazer senão esperar pelo destino. Os monges budistas são uns espalhafatosos do caraças e aqueles vestidos cor-de-laranja eram o seu calcanhar de Aquiles. E toda a gente sabe como é que são os intelectuais, sempre a dar opiniões, a ler, a beber conhaque e a fumar charuto. Tudo alvos fáceis, portanto, sobretudo porque identificáveis e com poucas hipóteses de camuflagem. O que me faz confusão são os gajos com óculos. Deixar de parecer vietnamita é uma coisa. Despir aquele vestido fluorescente dos monges budistas é mais fácil, mas, ainda assim, lixado se tiver que ser de repente. Os intelectuais já se sabe que estavam lixados, essencialmente porque, para essa gente, não dar opiniões é como eu não atirar para longe o chinelo que está instalado no pé suspenso de outra pessoa que tem a perna cruzada. Gosto de fazer isso e não consigo evitar. Agora, qual é a dificuldade de deixar de parecer um gajo de óculos quando o exército do Pol Pot, que até é coisa para dar nas vistas, faz uma inspecção? Podia acontecer os gajos com óculos não verem o exército a aproximar-se, e quando dessem por ela, ‘ai, caraças, que já me lixei bem lixado!’. Mas os gajos com óculos usavam óculos, raios parta! Se não viam o exército, tirassem os óculos, porque, afinal de contas, não lhes parecia melhorar a capacidade visual por aí além! Se viam o exército, porque é que raio não tiravam os óculos, deixavam passar os executores, e depois metiam-nos outra vez para poder voltar a micar um cu em condições? Bem, em homenagem ao acossamento de que foram vítima os quatro-olhos cambojanos, a ONU decidiria, mais tarde, que 'não se batia em pessoas com óculos'.
A verdade é que estava criado um eficaz exército de indivíduos que odiavam pessoas com óculos, e acaba por ser o Vietname, o país dos maus do ‘Platoon’ – para além do Tom Berenguer, esse pulha que deixou o Williem Dafoe para trás –, a invadir o Cambodja e a expulsar os Khmers Vermelhos do poleiro. Isto em 1979, sendo que, durante 18 anos, até
N.B: Entretanto, complete a sua enciclopédia com os restantes quatro fascículos (têm todos um preço de lançamento porreiro, menos o primeiro):
Hitler
Salazar
Kim Jong Il
said...
Apoiado! Porque quando bateste nos nossos camaradas anti-fascistas Hitler e o Dr. Oliveira foste extremamente injusto!!! És um fascista , um porco e um coisinho!
said...
Esse tal de Geronimo tem muito que se lhe diga... Ainda ha muita terra por virar no Alentejo... E impossivel haver tanto comunista eleito naquela zona; parece-me que andam a apagar companheiros politicos de direita!
J. Salinas said...
Não sei quem é esse tal de Gerónimo, mas pelo andar da conversa, pode haver mentes mal-intencionadas que o confundam com o Jerónimo de Sousa…
said...
acho importante teres mencionado o maior perseguidor de "gajos com óculos"q acho q tb matou umas pessoas, mas a descriminação para com "gajos com óculos" continua, na tua rua, em minha casa, no nosso país!juntamente com gajas q usam bandelete, e quem usa coletes sem ser obrigado a isso e dentistas, somos perseguidos motivo de chacota, mas o povo cambodjiano ensinou-me a tirar os óculos cm só eles sabem...De resto a crónica 'tá boa cm sempre
J. Salinas said...
A enciclopédia era mesmo só para ser com estes cinco arautos do povo. Mas, se fizer mesmo questão, posso sempre fazer mais uns poucos, sempre com o rigor histórico que transpira das biografias anteriores. Deixe sugestões, caro indivíduo. Deixe sugestões.