Freddie Gage é um padre Baptista. Não é ‘o’ padre baptista. Baptista não é o nome dele, é a sua fé, a sua seita. Gage é que é o nome dele. Aliás, até já tinha dito isso. Foi logo a primeira coisa que disse. Chamam-lhe ‘o profeta do submundo’. Um nome porreiro, à super-herói. Ou à vilão. Dá para as duas coisas. Fica bem em ambos os cenários. Pode-se ouvir um apelo desesperado como ‘A cidade está à mercê de um milionário mutante e só o Profeta do Submundo nos poderá salvar!’, ou um ‘Vou ter a minha vingança, Batman… ou não me chame eu ‘Profeta do Submundo!’ acompanhado de uma gargalhada maquiavélica
A capa mostra-nos que, muito antes das bandas com eyeliner e letras "oh, ninguém gosta de mim", já existiam bons discos para introspecções e para alimentar depressões. Freddie está agachado perante a lápide de um amigo. Levou o seu melhor fato branco, excepto as calças que estavam para lavar. O branco suja-se muito. Sobretudo nas perneiras. E Freddie, como bom padre que é, sempre deu colo a muita gente. Ainda conseguiu levar as suas botas de fada. Ou à Bee Gees. Seja lá o que for, parece ser o calçado mais adequado para pisar a relva de um cemitério. É uma coisa leve, mas ao mesmo tempo formal e respeitadora. Parece admirado com alguma coisa que está escrita na lápide. Costuma acontecer a quem deambula por cemitérios a ver se reconhece os nomes cravados na pedra. Também pode estar a fazer as contas para perceber com quantos anos é que este seu amigo morreu. Tem na mão um livro com uma capa vermelha. Com certeza, algum livro de feitiços que lê de trás para a frente enquanto mutila galinhas e gatos vadios. A editora é a ‘Rainbow’, ou, em bom português, a ‘Arco-Íris’. Um nome alegre, colorido e vivo.
Numa palavra, de maricas. A editora deve ter uma boa secção de Marketing. A sonoridade do disco é, claro, monótona e o tom moralista não disfarça a falta de instrumentos, ou, de uma forma mais directa, de música propriamente dita. Vai daí, a ‘Arco-Íris’ decide apelar ao sentimento das pessoas. A estratégia é velha e por de mais conhecida. O pirilampo mágico é foleiro. Há centenas de bonecos mais giros para pôr no tablier do carro ou no monitor do computador lá do trabalho. Mas as pessoas compram porque é para ajudar outras pessoas que precisam. Também não há uma única pessoa no planeta que goste sinceramente do ‘We are the World’ dos ‘USA for Africa’. Sejamos francos, por muita boa vontade que tenha havido, não é qualidade que os consumidores esperam de uma cantiga interpretada por todos os irmãos Jackson, o Lionel Ritchie, o Dan Aykroyd, o Stevie Wonder e o Al Jarreau. Tudo ao mesmo tempo, e, haja dó, durante mais de sete minutos! Só foi um sucesso porque as pessoas queriam ajudar África a matar a fome e as moscas. A verdade é que todos os amigos do senhor Freddie Gage já morreram. Todos! Sendo assim, o mínimo que podem fazer por ele é comprar o disco, seus ingratos a quem a vida corre bem.
Outras capas:
Heino
Richard & Willie
said...
Hummm... Essas ligacoes precisa de algum trabalho... O espirito de sintese que te acompanha desde a gloria adolescencia parece ter-te abandonado e deixado para os lobos... Mas olha, mais vale so que mal acompanhado!
Telmo said...
Muito introspectivo e muito bem escrito... parabens sr...escritor
A morte está de facto à cuca ;)
Telmo said...
ou é a cóca que se diz? ok não vou tirar as atenções desse belissimo texto.
said...
É 'à cuca' que se diz... tavas a ir bem, Telmo. A Cuca era aquela crocodila feiosa, do "Sítio do Pica-Pau Amarelo". Acho que ela já morreu, logo diz-se 'A morte está de facto à cuca'.
Além disso Telmo, não há muita gente a visitar este blog que tenha conhecido o autor do mesmo durante a adolescencia. Por isso comentares como anónimo, não chega para disfarçares...
said...
O anonimo foi um erro... estou a utilizar internet numa escola, a fila para os pcs cresce e eu tenho q me apressar... Isto so para nao pensarem que o outro Telmo esta a tentar ressuscitar amigos perdidos pela vida (que poetico que estou... para a proxima escrevo um poema)!
said...
A postura atlética com que o Pe. Freddie olha a tumba dá-lhe aquele ar de quem está mesmerizado com um monumento fúnebre azteca: muito na linha do que é utilizado pelos arqueólogos que têm programas de televisão.
Não sei, por outro lado, se devem ser tiradas ilações do facto de aos 'all friends' que já morreram corresponder uma única lápide. Se sim, tudo se torna muito porreiro e, a somar ao que foi dito acima, antropologicamente estimulante.
J. Salinas said...
Inês, todos os amigos estão enterrados numa única cova porque morreram todos no mesmo acidente. Ainda por cima, foi quando iam à festa de anos do Padre Freddie. É natural que ele se sinta culpado e cante com isso… e, claro, tente ganhar dinheiro à custa disso.
papousse said...
Eu diria, pela pose e face do personagem, que os amigos ainda conseguiram ir-lhe aos anos.
said...
Ora aqui está um blog do melhor! eheheheheheh! :)
Jorge Guimarães Silva said...
Brilhante! Aqui está um blogue que vai passar a ter a minha visita.
said...