É bastante comum, durante uma sessão de cinema, ficar postado ao lado, ou nas imediações, de indivíduos ou entidades que, por razões bem específicas, acabam por desviar a nossa atenção daquilo que se passa no grande ecrã. E, infelizmente, não o fazem da mesma forma que, por exemplo, uma rapariga naturalmente dotada para protagonizar um filme do Russ Meyer, a fazer jogging de t-shirt, debaixo de chuva, e sem amparo de qualquer espécie, nos devia a atenção da condução de um veículo. Nesse caso, estamos perante uma situação de desvio de atenção numa orientação positiva. Na direcção de algo que queremos percepcionar com algum dos nossos sentidos, colocando o que quer que seja que estávamos a fazer antes num patamar muito marginal.
Mas os tais indivíduos nunca desviam a nossa atenção num sentido positivo, mesmo quando o filme em exibição tem, enfim, um índice fecal de tal ordem que, espalhando-se os rolos da película num terreno, e juntando-se-lhe alguma palha e outras ramagens secas, temos garantido um solo duma fertilidade que é uma coisa parva. Bem, mas nunca é num sentido positivo porque o que essa pessoa faz numa sala de cinema não é agradável a nenhum dos sentidos humanos, sendo, quanto muito, indiferente a alguns deles. Mas extremamente irritante ou distractivo para pelo menos um outro.
Ora, um desses indivíduos é aquela pessoa que, corriqueiramente, se apelida de “assobiador nasal”. O “assobiador nasal” é um indivíduo que, por alguma razão, ao fazer circular o ar pelas fossas do seu fungão, expele um som agudo, bastante semelhante a um assobio. Um chichorrobio, vá. Às tantas, até é mais parecido com um silvo. Ou será antes com um zunido? É complicado definir com precisão tão enigmática sensação auditiva. A verdade é que, também conhecidos, nalguns meios, como “panelas de pressão”, estas pessoas, as que produzem o som, são mais comuns do que à partida se poderia pensar. A questão é que, no seu dia-a-dia, conseguem quase sempre passar despercebidas, mas um espaço silencioso acaba quase sempre por ser sinónimo de queda da máscara de qualquer assobiador nasal, revelando-o perante um mundo sem pachorra para assobios de uma regularidade dilacerante e ritmo rigorosamente compassado. É possível que estas pessoas nem se apercebam que o fazem. Mas isso pouco importa. As pessoas que dizem “sófá” também não devem fazer de propósito e não é por isso que temos que, ou vamos, gostar delas.
Por experiência própria, conheço duas formas de o assobiador nasal conseguir fazer alguém perder um filme, ou simplesmente impedir a pessoa de o acompanhar como seria expectável e desejável pela própria. A primeira forma é o simples facto de um som daqueles ser profundamente irritante. Como uma torneira a pingar, uma melga ou uma música do Kenny G. A segunda está relacionada com o facto de, dependendo de uma série de factores, o processamento que o cérebro do indivíduo receptor faz do som levar o mesmo a entrar num estado de hipnose, um em que o seu único objectivo imediato é descobrir que raio de música é aquela. Por outras palavras, funciona, então, como uma espécie de canto da sereia, dando a sensação que é, de facto, um ritmo nada estranho e, desse modo, criando a angustiante sensação de “já ouvi isto em algum lado e não descanso enquanto não souber o que é”. Em vez de fazer aquilo para que foi ao cinema, vai passar duas horas profundamente obcecado com aquele som e com a perspectiva do mesmo representar uma qualquer sonância musical que lhe é familiar. Como é óbvio, é uma perda de tempo, porque o som não é nenhuma melodia reconhecível, mas sim uma criatura que assobia pelo nariz. Além do mais, evitá-los é complicadíssimo. A maior parte das vezes, só darão conta que estão perto dum quando já começou o filme e aquele som nasal vos chega ao ouvido, interferindo com o vosso entendimento da narrativa cinematográfica
said...
Julgo que os assobiadores nasais fazem parte dum grupo que também inclui aqueles inspiradores/expiradores/suspirantes crónicos, que em vez de estarem a var o filme parecem mais que estão a pensar nos problemas da vida.