Ao contrário do que se possa pensar, usar um urinol não é uma opção pacífica na mente masculina sã. Há uma série de opções a tomar que, inequivocamente, ajudam muito na definição daquilo que somos e valemos no mundo. Não vou aqui discutir a escolha do urinol em si, e debater a mais que sabida regra do “manter o máximo de zona intermédia possível” que todos conhecem, ou deviam conhecer, de cor e salteado. Vou antes supor que, chegando-se a uma casa de banho pública, por vezes é impossível escolher um urinol sem ladear outro indivíduo. Sim, todos sabemos que existem os mais variados truques para conseguir um urinol livre de companheiro do lado, mas vamos supor que não existe mesmo alternativa e temos que escolher algum que implica ficar com um vizinho de circunstância. A meu ver, o critério da escolha deve recair, única e exclusivamente, na postura que cada indivíduo adoptou para expelir pela uretra em frente ao mictório público. Existem quatro grandes posturas, cada uma com características bastante próprias, que serão levemente descritas nas próximas linhas. Como é óbvio, pretende-se também aqui mostrar a todos aqueles que ainda não definiram a sua “postura de urinol”, as vantagens e desvantagens de cada uma, e, por outro lado, levar aqueles adeptos de posturas menos dignas a meditar sobre uma possível mudança para algo melhor.
“A Carapaça”
Ao fechar-se sobre si mesmo, o indivíduo revela insegurança e pouca confiança pessoal, bem como no funcionamento do seu corpo. É a pessoa que, embora já tenha repetido aquele acto milhares de vezes, ainda tem que ter a certeza que corre tudo como de costume. Sim, não vá, do nada, expelir, em vez de urina, um qualquer órgão vital ou algum dos inúmeros legos que engoliu durante na infância. Em termos funcionais, o corcovar, adoptando uma forma semelhante a uma carapaça, aproxima perigosamente do fluxo, e sem qualquer necessidade, outras partes do corpo. Finalmente, e embora, em princípio, o adepto da carapaça se concentre única e exclusivamente na sua anatomia, o “olhar para baixo”, psicótico e inseguro, é extremamente incomodativo para quem teve o azar de ficar ao seu lado.
“A Mão Livre”
Mais ou menos popular. Tem diversas variantes, sendo a mais famosa a “mão livre na anca”, seguida de perto pela “mão livre numa posição de pistoleiro” (como se estivesse pronta a tirar a arma do coldre). Mais longínqua, em termos de partidários, surge a cambiante “mão livre na parede” ou “mão livre no pescoço” (esta, normalmente acompanhada de um inclinar da cabeça para a retaguarda, observando-se o tecto e meditando-se no que quer que seja que lhe alimenta as neuroses). Refira-se que a posição da cabeça, salvo raras excepções (como a mesmo agora referida “mão livre no pescoço”), costuma ser a adequada, no entanto, o controlo com a apenas uma mão pode ser danoso, não só para o utilizador directo, como também para os indivíduos dos flancos. O utente à ilharga não tem a segurança, em termos de salpicos alheios, que um “controlo bímano” proporciona e garante. Sobretudo se o entusiasta da “mão livre” usar a referida para uma tarefa que em nada se coaduna com o ambiente em redor, como ler o jornal ou falar ao telemóvel. Estas pessoas não estão totalmente concentradas no acto que o urinol acolhe por sistema e, assim, o risco de tragédias ao nível dos salpicanços, chapinhanços ou simples pingos é bastante mais elevado. Para além de que, sinceramente, não há quem queria receber uma chamada de alguém que tem uma das mãos num sítio tão específico.
“Kit Mãos Livres”
Não sendo, de todo, incomum, é impossível não encarar esta postura como sendo de uma extrema singularidade. É aquele sujeito que adopta uma postura demasiado descontraída no urinol, postando-se de braços livres, numa prepotente pose de “sou tão sofisticado que controlo isto sem qualquer recurso às mãos”. Não é nada seguro fiar-se nesta assunção. É uma postura extremamente instável em termos de garantias que a totalidade do fluxo segue o único caminho concebível, que é, como todos sabemos, o do ralo. Nesse quadrante, os especialistas indicam que será até mais perigosa que muitas das variantes d'A Mão Livre.
As mãos costumam ficar nas ancas. O olhar deambula pela casa de banho inteira – sendo geralmente acompanhado por um assobio, suspiros ou um trautear de uma qualquer canção em tom monocórdico – ou, Jesus senhor!, fixa-se na “zona de acção”, sendo, nesse caso, acompanhado por uma expressão facial de orgulho, como quando um pai está a ver um filho conseguir andar primorosamente de bicicleta pela primeira vez sem rodinhas. Em suma, é uma postura, funcionalmente, bastante perigosa e, verdade seja dita, não é de bom-tom parecer demasiado descontraído e feliz à frente de um urinol. Com efeito, é um espaço a ser usado com elevado índice de profissionalismo e não para encarar com imprudência ou desfaçatez. Às vezes, e isto é absolutamente verídico, os seguidores desta postura até metem conversa com quem está ali ao lado, pessoas que estão a tentar ser sérias e competentes na sua tarefa. Angustiante.
“Homo Erectus”
É, valha-nos isso, a pose mais comum. E por uma série de razões. Tal como quando num elevador, esta é postura que permite um respeito total, ou perto disso, do espaço individual de cada usuário do sítio em questão. Permite, na medida do possível, tornar a acção mictória num acto asséptico e até, num sentido “estou a mijar, mas se estivesse a ouvir o hino, a postura era muito parecida com esta”, portador de alguma honra e pose de Estado. Para aquelas situações em que alguém se vê ladeado por um, ou mesmo dois indivíduos, adoptando-se o olhar, rígido e imperturbável, em frente, garante-se uma segurança inestimável a toda a população dos urinóis circundantes. Simultaneamente, a sua visão periférica permite um controlo quase perfeito do olhar dos seus “companheiros” de ocasião, evitando, ou melhor, antecipando, todo e qualquer condenável “olhar comparativo/apreciativo” por parte de outro usuário e, se for caso disso, agir em conformidade. Quer dizer, se for com anões, gigantes ou “de repente”, dificilmente será eficaz, mas não existem posturas de urinol perfeitas contra esse género de situação.
Por outro lado, controlando-se com as duas mãos (normalmente, uma fica encarregue do órgão que, no caso, adopta a função de expelente de urina, enquanto a outra, embora também possa ajudar nessa primeira tarefa, trata das calças e roupa interior, dispondo-as e acomodando-as de forma a que o acto corra da melhor forma possível) evitam-se salpicos e permite um direccionamento mais infalível do fluxo, em caso de pressão demasiado forte ou, por outro lado, em caso de pressão pouco entusiasta. Refira-se, no entanto, e de modo a evitar qualquer mal-entendido, que a foto ilustrativa não é a melhor. A pose “Homo Erectus” é, a meu ver, a mais conseguida, porém, em nada me revejo na opção tronco nu, chapéu e óculos de sol (seja em conjunto ou individualmente) no usufruto do urinol ou qualquer espaço de alívio público. Aliás, estar de tronco nu numa casa de banho pública deve ser das coisas mais doentes que já vi numa foto. E eu tenho Internet.
papousse said...
“olhar comparativo/apreciativo”
Perdeu-se, felizmente, a tradição do olheiro da casa-de-banho. MAtaram-se ou ganharam vergonha?
J. Salinas said...
skipper, realmente, a questão dos pingos é pertinente. Quanto a mim, não há solução. Resta-lhe, se estiver nessa onda, aderir à moda do papel higiénico para enxugar o excesso de urina. Se optar por essa via, pode começar a mijar sentado também. Ah, e a sodomia, passiva, não deverá tardar. Pessoalmente, prefiro a mancha. Até acho que dá um ar terreno e despachado.
papousse, acho que o encerramento momentâneo da estação do Rossio afastou essa gente da vida activa. São tão necessários como os singles do Phil Collins. Por mim, se é para exterminar a espécie, nem se abria mais a estação.
said...
Mas do que o pingo nos boxers, chateiam-me os pingos no calçado. É claro que isso só acontece naqueles urinóis "altos" e nunca nos urinóis "à Duchamp".