Que andar de metro é fazer parte de uma realidade única no planeta, já não restam grandes dúvidas. De entre as mais variadas situações e dinâmicas angustiantes que, dia-a-dia, promove junto dos seus utilizadores, queria destacar a seguinte, que, sem grande margem de erro, pode – deve! – ser considerada como um dos enigmas mais complicados de resolver, essencialmente porque não parece existir um inequívoco código social de conduta.
Para quem não está familiarizado com o ambiente em questão, o metro tem uns bancos laterais com três lugares (idênticos aos da foto), os quais, valha a verdade, não são propriamente exemplos de largueza e espaço. Ora, a sensatez, mas sobretudo a sanidade mental, impelem o utilizador a, perante dois ou mais lugares livres neste género de assento, escolher o apoio nadegal das pontas, isto é, deixando o lugar do meio desocupado. Todavia, por vezes, para conseguir aconchego para as nalgas e costado, só mesmo ocupando o lugar do meio. Partindo do pressuposto que nos sentámos no único lugar livre, o do meio, e que estamos ladeados por dois indivíduos, o problema que se coloca é, então, o seguinte:
Uma das pessoas da ponta acaba de abandonar o meio de transporte, deixando-nos colados a alguém que não conhecemos de lado nenhum e, pior que isso, com um lugar livre mesmo ali ao lado. Podemos passar para o tal lugar que ficou vago, criando a tão prezada “zona intermédia”, e ficando, tanto física como psicologicamente, mais à vontade. Mas, ao fazê-lo, quem nos garante que a pessoa de quem nos afastamos, mesmo que esteja a comer torresmos, a cortar as unhas ou insistentemente a fungar e a passar a manga do casaco pelo nariz, não fica ofendida por nos termos distanciado? Ao fazê-lo, podemos muito bem apanhar com um “ó menino, olhe que eu não lhe pego nenhuma doença, ouviu?”, seja na sua forma oral, seja simplesmente através do olhar, que é tão ou mais aflitiva que a primeira. Isto, claro, não esquecendo que, no caso de estarmos colados a um Ahmed, um Professor Bambo, um Ping Pong ou um Gipsy King, a reprovação ser em nome de um povo inteiro, ou seja, levará com um “ó menino, olhe que a gente não lhe pega nenhuma doença, ouviu?”. E, se houver um desabafo do género, é certinho que a restante populaça do metro, qual horda medieval que decide sem conhecer a situação, se vai unir ao martirizado e olhar para si com desdém; embora, ao abandonar o meio de transporte, exista a grande probabilidade de se ouvir um ou outro “fez você muito bem, que essa gentalha nem devia poder ocupar um assento que devia ser para os de cá” de suposto aconchego moral e ideológico.
Por outro lado, ficar exactamente no mesmo sítio, ignorando o lugar vago mesmo ali à beira, não é sinónimo de paz e sossego. A pessoa à sua ilharga pode ficar ofendida na mesma, se bem que, neste caso, raras vezes se manifeste através da via oral, preferindo bufar e – justificadamente, diga-se – desferir olhares que exprimem um claro “mas porque é que este atrasado mental está em cima de mim, quando tem um lugar vazio mesmo ali ao pé?!?”. Refira-se ainda que outro dos grandes problemas, se não, o grande problema na opção “ficar no mesmo sítio”, está directamente relacionado com as pessoas que, entradas naquele instante no metro, não sabem que acabou de sair uma pessoa das pontas. Nesse caso, quem acabou de entrar depara-se com um cenário ridículo onde duas pessoas estão amontoadas, apesar do lugar livre mesmo ali nos arrabaldes. Como somos nós que estamos no lugar do meio, somos nós os atrasados mentais em cima do pobre desconhecido. Somos nós que, aos olhos daquelas pessoas, escolhemos o lugar do meio quando poderíamos ter escolhido o da ponta. E, mais uma vez, estabelecer-se-á uma espécie de solidariedade latente, mas que se sente perfeitamente no ar, entre a pessoa que temos ao lado, ofendida no seu espaço quando poderia estar mais à larga, e a pessoa que passa, horrorizada com tamanha parvoíce e falta de tacto.
O problema aqui talvez seja conseguir perceber que tipo de pessoa se sente desconsiderada com o “levantar e sentar no banco que acabou de ficar livre” e que tipo de indivíduo acha, perante uma oportunidade de aumentar o conforto, uma parvoíce manter a posição que dá mais estorvo. Se é certo que os segundos serão em maior número que os primeiros, não o será menos o facto de estes existirem mesmo. Saber quem é quem é que é lixado como o caraças.
said...
pois...
e tu queixas-te de lisboa! nós cá no porto temos um banco não tripartido mas tetrapartido.
o que levanta ainda mais uma questão: quando existem dois lugares desocupados entre duas figuras incortonáveis da fauna portuense, como a peixeira do bulhom e o sem abrigo que vende pilhas á saída da estação de são bento, sentamo-nos á beira de quem???
Carapaus com Chantilly said...
Um problema dificil de resolver sem dúvida! A minha solução é não me sentar para não ter desses problemas! :P
said...
Ainda bem que o novo sistema do metro assinala a vermelho os lugares proibidos e a verde os permitidos (tal como se pode ver na foto), porque como sou um provinciano não percebo nada destas coisas.