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Olhe que não, shô Doutor! Olhe que não...

Verdades absolutas sobre basicamente tudo.
All great truths begin as blasphemies.
Nem mais. Porra. 

28 de abril de 2006

Louie, this could be the end of a beautiful friendship…












E pronto. Diz que é já no próximo ano que vou ver aniquilado um fiel companheiro de muitas calendas. Sem dó nem piedade. Atira-se borda fora como uma testemunha de Jeová com escorbuto. Só porque vai aparecer um novo e melhor para o substituir. Como se nada fosse. Como se fosse o Luís Pereira de Sousa ou a Serenella Andrade. Está mal. O Bilhete de Identidade, esse amigo de sempre, merece, a meu ver, uma despedida consentânea com o importantíssimo papel que, durante décadas, desempenhou, não só na minha vida, como na de tantos e tantos portugueses. Entretanto, vai ser trocado pelo Cartão do Cidadão, essa galdéria que atraiu quatro cavaleiros do apocalipse para o seu leito – o BI, o cartão do Serviço Nacional de Saúde, o Cartão da Segurança Social e o Cartão de Eleitor –, para depois os fulminar, ocupando os seus honrosos lugares. É a morte anunciada de quatro documentos. Mas, lá está, de entre os quatro, há um que sempre se destacou sobejamente dos demais.

No meu tempo, fazia-se o BI quando se passava para o 5º ano. Era uma grande mudança. Íamos para o ciclo. Durante muitos anos, eu pensei que o critério fosse apenas esse: passar para o 5º ano. E fazer o BI era um prémio. No meu caso, foi um BI e uma BMX. Mas eu tinha muito boas notas. Simultaneamente, pensava que as pessoas com a 4ª classe, mesmo que já adultos e pais de gente, não tinham BI. Mesmo quando, mais tarde, descobri que não era bem assim, o meu fascínio pelo BI não esmoreceu patavina. É que, naquela época, eu tinha apenas dois documentos. Pelo menos que me passassem, mesmo que ocasional e fugazmente, pelas mãos. Eram eles, o, agora condenado, BI e o, inevitavelmente algo tortuoso, Cartão de Vacinas. E, pese embora o menor período de convivência, sempre gostei mais do BI. O cartão das vacinas sempre esteve muito preso à imagem das picas. Eu nunca gostei de picas. Além do mais, um cartão que só serve para levar picas não é, há que admiti-lo com toda a lisura, lá muito adulto. Por seu turno, o BI não dava chatices. Nem picas. Dava-nos, isso sim, um ar crescido. Responsável e respeitável. Era, em larga medida, um fato e gravata para crianças. A única forma de parecermos gente. Com ele, éramos, oficialmente, uns homenzinhos.

Até me lembro perfeitamente do dia em que fui fazer o BI. Foi no mesmo dia que vi o “Profissão: Duro”. Já no dia em que, pela primeira vez, pude segurar o meu BI, vi o “Tango & Cash”. E, embora estes filmes sejam inquestionavelmente muito conseguidos do ponto de vista artístico, as minhas referências positivas prender-se-ão sempre mais com as respectivas ligações temporais que acabaram por estabelecer com tão valioso documento. Para mim, serão sempre filmes que marcaram duas decisivas etapas na minha, desde então ininterrupta, posse e usufruto de BI. Bem, durante uns tempos, também foram os meus filmes preferidos com o Patrick Swayze. Mas isso foi porque eu o confundia com o Kurt Russell e pensava que era ele, Swayze, que estalava maus no “Tango & Cash”.

A minha afinidade com o BI foi, ao longo dos anos, sendo posta à prova. Logo com o primeiro BI, surgiu um teste de fogo. Possuía eu uma bela carteira casual, com a adorada temática Transformers. “O sítio ideal para guardar o meu novíssimo Bilhete de Identidade”, pensei com entusiasmo. Como era da praxe, o meu BI foi plastificado por um daqueles tipos do “Plastifico Qualquer Documento e Vendo Pentes, Corta Unhas e Atacadores” com estaminé montado no meio da rua. O problema começa quando constato que o indivíduo me fez aquilo um bocado largueirão. À balda. Com umas bordas enormes, e inerentemente supérfluas, em plástico. Uma tragédia! O BI não cabia na minha carteira com a temática Transformers! Independemente da posição, ficava sempre uma grande talhada de fora. E aquilo era feito com um plástico bastante perigoso. Muito rijo e laminado. Com o tagalho que ficava de fora, corria o risco de me cortar de cada vez que ia ao bolso das calças buscar a carteira. A verdade é que ainda me ceifei umas poucas de vezes. Os resultados do encontro da cútis e chicha da minha mão com aquela segadeira de algibeira eram muito parecidos com os dos cortes de papel. E aquilo ardia como o caraças quando eu comia batatas fritas cheias de sal. Aliás, em termos de dor, aquilo até seria assim mais parecido com ter uma afta, muito menos larga, mas também muito mais comprida, na mão. Uma chatice.

Tinha que fazer algo. E a verdade é que, em vez de deixar o BI perdido numa gaiva lá por casa, optei antes por deixar as carteiras. Sem hesitar. Nunca mais tive uma carteira. O Bilhete de Identidade passou a andar solto no bolso. Com maior à vontade, deixou também de me ir podando paulatinamente. Mantive-me fiel a um documento que, apesar do pouco tempo passado, já considerava um amigo. Um amigo que me conhecia bem. Sabia o meu nome. Dos meus pais. A minha altura, quando é que eu fazia anos e onde é que eu tinha nascido. Raios, sabia o meu estado civil antes mesmo de eu saber que porra era essa do estado civil. Naquela altura, mais nenhum dos meus amigos sabia o meu nome completo. Muito menos o dos meus pais. Notava-se o interesse. A dedicação para com o seu amo. Que sou eu. Assim como assim, a carteira, mais dia, menos dia, iria perder com o BI. Mesmo que eu tivesse mantido aquele cenário que me ia amputando aos poucos. É que eu nunca gostei muito de velcro. Essencialmente porque o velcro das minhas coisas gastava-se muito depressa. Perdia logo a aderência e aquele barulho tão característico. Era isso e línguas da sogra, que se me estragavam depois de meia dúzia de assopradelas. São as duas coisas cujo tempo de vida útil é ínfimo nas minhas mãos. Velcro e línguas da sogra.

A verdade nua e crua é que, em breve, cessa de existir o BI. Já não vamos poder gozar com aquelas pessoas cuja impressão digital parece ser do dedo grande do pé. Aquelas pessoas que, entre um coro de caçoada interminável, lá iam, chorosas, tentando justificar com uns “não é o dedo do pé! Eu é que mexi o dedo para os lados!”. E que vai acontecer ao célebre pedido “olhe, assine aqui como tem no Bilhete de Identidade”? Acabam simplesmente? Seja como for, estou certo que o BI não perece em vão. Não! O BI leva consigo alguns hábitos idiotas que, infelizmente, directa ou indirectamente, sempre o rodearam. Por exemplo, vai encalacrar o pessoal das carteiras de pai. O pessoal das carteiras de pai é aquela malandragem que pensa que já é muito crescidinha só porque tem uma carteira em pele de bovino a abarrotar com cartões e recibos. Cartões de, como dizer, tudo. Afinal, eles têm tantos cartões, não é verdade?, de certeza que são responsáveis e bastante maturos. Lérias. É um truque básico. Afinal, acaba o BI e outros três cartões. Cartões menores, é certo, quase marginais, mas que de certeza que os apologistas das carteiras de pai faziam questão de possuir. Pois bem, esse truque tem os dias contados.

Mas, sobretudo, vai acabar com os papalvos que pensam que aquele algarismo misterioso dos BI é, apenas e só, o número de pessoas com o nome igual ao do utente em causa. Assim uma espécie de curiosidade que os serviços de identificação civil resolveram dar aos seus filiados. Uma distracção para atenuar a espera pelo autocarro, por exemplo. Para esta gente, faz perfeito sentido que um António Silva não tenha uma única alma com quem partilhar o nome e que um Eládio Clímaco já possa ter nove gajos que vão olhar quando a mãe dele o chamar para jantar. Sim, o máximo parece ser nove. E ainda têm o desplante de dizer que conhecem não sei quem numa repartição qualquer que lhes assegurou que era mesmo isso. Fazem apostas. Enfim, é um circo completo.

O que sei é que não foi por estas pessoas que o Bilhete de Identidade foi criado. Nem por estas pessoas que o Bilhete de Identidade vai ser arrumado. Mas, afinal de contas, o extermínio destas pessoas, ou melhor, das suas teorias e manias, acaba por ser uma última ajuda que o BI nos consagra. A nós, aqueles que sempre lhe reconhecemos valor e sempre o soubemos compreender. Obrigado, amigo. Até sempre.

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19 de abril de 2006

A Lei da Paridade











Parece que “eles”, ou alguns deles pelo menos, lá fizeram com que a representação parlamentar passe, não sei quando, a obedecer a uma espécie de lei da paridade. Basicamente, todas as listas que concorrem àquilo das eleições terão, a partir de não sei quando, que incluir um terço de senhoras entre os nomes a sufrágio. Ou seja, pelo menos para começar, a cada dois homens, deve entrar também uma dama. Parece-me ajustada, esta coisa do “Dois homens para uma mulher”. Por defeito, concordo com todas as medidas políticas que vão beber inspiração a cenários de filmes pornográficos, mas, devo confessar, não me parece bem a mesma coisa ver um “dois marmanjos para uma cachopa” protagonizado pela Jenna Jameson e ver – ou, para o efeito, tentar sequer imaginar – um com a Edite Estrela ou a Maria de Belém. Mas se calhar é uma questão de hábito. Aqui há uns anos, eu também não gostava de fava-cavalinha, mas lá que me fui acostumando e às vezes até chego a sentir falta daquilo.

Ora, mergulhando, como se impõe, a fundo na questão, porquê mudar? Porquê uma lei de paridade? Que tipo de mulher procuram, afinal, os arautos desta nova lei? Em termos de parlamento, o que é afinal uma mulher? Será a Zita Seabra uma mulher no sentido em que a Joana Amaral Dias é uma mulher? Seja qual for a quantidade de álcool ingerido ou a força da coacção, há que admitir que dificilmente o será. Para não dizer mesmo, acompanhado de um vómito seco e um esgar de nojo, “Foda-se, que comparação!”. A Zita Seabra será, no limite, no máximo dos máximos, no infinito dos infinitos, uma mulher num sentido “se o Charles Bronson não tivesse bigode, e uma pila, era assim”. E isso não é lá muito.

Ou será que, por outro lado, e se os traços de feminilidade não interessarem por aí além, basta ter um nome de moça? Então e o Vera Jardim, que até nem é assim tão mais feio que a Zita Seabra? Conta como senhora, é? Vera é mais feminino que Zita. Zita, quanto muito, é um nome que até caminha mais para o híbrido, para aquela zona de ninguém. Para o futuro, onde tudo é assexuado e onde o roçamento factual é um acto ultrapassado. E é, claro, um nome que desconsidera tudo o que quem o carregue é e conseguiu na vida. “A deputada Zita”. “A senhora Zita”. “A vizinha Zita”. O nome carrega consigo um sentido diminutivo muito forte. De desprezo. É um péssimo nome, por uma série de razões. E lá está, se é pelo nome, o Vera Jardim é mais mulher que ele. Ela, aliás. Que a Zita.

Se imaginarmos o Parlamento como uma discoteca, tudo fica mais fácil de compreender. É até um exercício bastante simples. O Parlamento foi, durante uns tempos, a discoteca preferida de uma gaja boa. A Joana, que gostava muito de dançar e aparecer. Mas, acima de tudo, era boa. Aliás, e para os padrões a que os pobres diabos que por lá andam há décadas estão habituados, absurdamente boa. Cósmica, mesmo. Rapidamente se espalhou a boa nova de que havia uma nova boa, e, em pouco tempo, toda a gente queria ir ao Parlamento. Ver o avião. A gaja boa. No meio da confusão, tocar, sub-repticiamente, mas nem por isso de forma pouco sexual e ímpia, na gaja boa. E, quem sabe, até tentar embeiçar a gaja boa. Foi o auge do sítio. O Parlamento registou níveis de afluência nunca antes vistos ou sequer imaginados. Mas, quando se deu por ela, já o Parlamento estava cheio de gajos e a gaja boa tinha-se pirado. Fazia-se agora acompanhar de um ancião trovador que também frequentara, e diz-se que ainda frequenta, o espaço de tempos a tempos. Os novos donos do Parlamento perceberam isso. Que já não havia Joana, o mulherão, e que havia muitos homens. As poucas mulheres que ainda por lá andavam eram aquelas que já se confundem com a mobília. E confundem-se não porque eram as de sempre, porque são as mesmas há muito tempo, mas porque parecem mesmo armários, guarda-fatos e mesinhas de cabeceira. Duas delas, que andam sempre juntas, até parecem um sofá-cama e uma escrivaninha. Vai daí, mesmo os mais assíduos, os clientes de sempre, começaram a faltar. A chegar tarde e a sair cedo. As matinés começaram a ficar às moscas. Havia que tomar medidas drásticas. Atrair os homens, atraindo uma das poucas coisas que os atrai. Gajas, portanto. A estratégia assenta sobretudo na fé que, aumentando-se o número de mulheres, uma ou outra possa ser jeitosa. E, desse modo, trazer de novo a alegria e a assiduidade para o Parlamento.

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12 de abril de 2006

Incómodos da Modernidade (III): No cinema II












Já há muito que se percebeu que, perante uma sala cheia, ou bem composta, o número de braços das cadeiras nas salas de cinema poderá, e é quase sempre, bem menor que o número de braços das pessoas que as vão ocupar. É um facto da vida. Há que viver com ele. É essencialmente por isso que se criou, nas salas de cinema, e entre desconhecidos, um acordo tácito para usufruto do finito apoio braçal que as cadeiras proporcionam. Já se sabe que não chega para todos, durante todo o filme. É preciso perceber que a outra pessoa também quer pousar o braço durante uns minutos. Ter essa atenção. Vivemos em sociedade. Mas há pessoas que acham que é melhor ignorar o facto de partilharmos espaços, bens e serviços. Preferem açambarcar o apoio braçal como se nada fosse. E, durante todo o filme, ignoram as nossas preces e protestos mudos. Só para verem como é insensível esta gente, são até capazes de ignorar o bufar alheio. E bufar, junto de um desconhecido, é a mais conhecida e desesperada forma de desagrado não verbalizado e não fisicamente agressivo perante algo. Ninguém deve, pura e simplesmente, ignorar um bufar alheio. Quando um desconhecido bufa, o mínimo que se exige é que os indivíduos que compõem a envolvente façam uma introspecção crítica, procurando perceber se estão ou não, de alguma forma, a incomodar o indivíduo que protesta. Partindo, claro, do princípio que ninguém bufa por dá cá aquela palha. Quero acreditar que vivemos num mundo em que, quando se bufa, algo de muito grave ou incomodativo está a afectar o emissor. Algo lesa a pessoa que bufa. É nesse mundo que quero viver. Um mundo onde não se bufa à toa.

Eu até percebo que existam tarefas chatas. Tarefas que, dadas as circunstâncias, são mais que hercúleas. Ou, encarando as coisas de um ponto de vista mais biologicista, tarefas que, por exemplo, não fazem parte do código genético masculino. Coisas como acabar o rolo de papel higiénico e trocá-lo por um novo. Ou, se não se vai sair de casa, meter qualquer coisa por cima das cuecas porque pode aparecer alguma visita. Mas não se trata de nada disso. Isto são dois exemplos de tarefas que, ou exigem uma apostasia do código masculino, como no primeiro caso, ou que se estruturam com base em conjecturas e futurologias, como no segundo. Não é isto que se pede. A partilha do apoio braçal nas salas de cinema não é nada de transcendente e que renega a nossa essência. Nem é nada que se baseie em conjecturas. A possibilidade de alguém, pura e simplesmente, não querer, durante uma sessão inteira, ocupar o apoio braçal, nem que seja só durante um bocadinho, é muito diminuta. Para não dizer absurda. Estamos, já se percebeu, a falar de uma questão de respeito por uma comodidade que é suposto ser partilhada e de que todos querem um bocadinho. Toda a gente sabe disto. Só se pede que tenha a delicadeza de ir passando a vez. Não só é uma simpatia social, como também é uma necessidade pessoal. Ficando com o braço sempre apoiado, é provável que se fique com o membro em causa dormente. É imperioso ir trocando de posições. Para bem de todos.

A última vez que me calhou um desses gajos que monopoliza aquele amparo braçal foi precisamente quando fui ver “O Segredo de Brokeback Mountain”. O indivíduo, que já lá estava quando cheguei, ficou do meu lado direito. Em situações normais, escolho um lugar que não implique ficar em cima de um desconhecido, sem qualquer tipo de zona intermédia. Mas, naquele caso, era complicado. Não só a sala estava bastante composta, como a rapariga da lanterninha – demasiado máscula, sendo que o uniforme do cinema, calça, camisa e colete, também não ajudava por aí além – me tinha acompanhado ao lugar e dito, num tom ameaçador, e que revelou o dente mais desvitalizado que alguma vi na vida, “é ali ao lado daquele senhor”. Como não tenho um pingo de personalidade, limitei-me, cabisbaixo, a acatar a ordem.

O gajo tresandava a Drakkar Noir ou Old Spice. Uma daquelas águas-de-colónia tão intensas que quase que ficamos com o sabor daquela porcaria na boca. É sebento. A criatura deve ter ficado a marinar naquela porra um dia inteiro, e, se eu acendesse um fósforo, ardia ali todo até aos sapatos. Ou mocassins. Ou seja lá o que for que esta gente calça. Devia ser um daqueles – sendo que é a primeira e última vez que vou usar a expressão –, “sapato-téni”. Aposto que é mesmo assim, que é mesmo esta a expressão que ele usa quando pergunta na loja por este género de calçado. O que também aposto é que aquela água-de-colónia era qualquer coisa nuclear. Uma espécie de chuva ácida engarrafada e com um anúncio de TV.

Este indivíduo começou por ter o braço instalado no apoio que partilhávamos. Tudo bem, alguém tem que começar. Nada a apontar relativamente ao privilégio inicial. Ele até chegou primeiro. Ele até já lá estava. O problema é que, já os cowboys tinham consumado o seu amor rapioqueiro numa tenda tipo iglu, e aquele gajo ainda tinha o braço por ali, como se o cinema fosse o seu castelo e a cadeira o seu trono. Eis que, não sei quando, mas sei que demasiado tarde, talvez quando um dos cowboys já andava a dançar com camisas do outro como se fossem uma pessoa a sério, o indivíduo retira o braço. E tira-o, não porque achou que era a minha vez, não porque estava cansado e a ficar com o membro todo apanhadinho, mas porque foi tirar um lenço para enxugar as lágrimas. Duvido que tenha sido o filme a provocar o lacrimejar – aposto bem mais na sua água-de-colónia que encostava qualquer gás lacrimogénio a um canto –, mas a verdade é que aquele donzel estava mesmo a mijar dos olhos. Naquela altura, isso pouco me importava e até o filme já há muito que se tornara claramente secundário. Limitei-me a sorrir por dentro e a pensar “já te lixaste, ‘ó lencinho para limpar as lágrimas’, que eu agora, só para chatear, vou ficar com o braço aqui até ao resto do filme. Só para ver se também gostas”.

Enxugadas as lágrimas, este refogado de Old Spice e Drakkar Noir volta a pousar o braço no apoio da cadeira. O problema é que o meu braço, como prometido, ainda lá estava. Mais! Ainda eu estava a preparar o meu braço para o uso exclusivo do equipamento, a ambientar-me à textura, temperatura e forma do sítio, e já aquele pastoril tinha feito regressar o seu tentáculo ao local que tinha estipulado como seu e só seu. Ficou, por isso, em cima do meu braço, esse pobre rebelde que mais não queria que acabar com aquele regime monopolista e déspota. No fundo, marcar uma posição. Pensava eu, quando vi que aquele braço encharcado em água-de-colónia, e que segurava um lenço choramingado, a cair sobre o meu, que aquilo iria demorar pouco tempo. Que acabaria num ápice. Pensava eu que o indivíduo iria perceber, de imediato, que já lá estava matéria viva e, acto contínuo, retiraria o seu braço para que todos pudéssemos continuar a apreciar aquele Tutti Frutti Western como se nada tivesse acontecido. Mas não foi assim. O braço Old Spice resolveu assentar arrais. Parecia estar para ficar. De vez. É já com todo o meu corpo em acentuada contracção, e com a minha mente a passar por uma agonia bárbara, que aquele braço decide, acompanhado de um “oh, desculpe…” num tom de quem parecia ter acabado de pisar o vestido comprido de outra senhora, parar de oprimir o meu. Como é óbvio, assim que o meu braço ficou livre, retirei-o imediatamente e decidi que, naquela sessão de cinema, não mais iria marcar posições ou procurar transmitir princípios e valores. Nem naquela, nem noutra. Resta-me esperar que toda a gente saiba cumprir o acordo tácito para usufruto do apoio braçal nas salas de cinema. Os meus dias de revolução contra os opressores acabaram no instante em que um braço masculino ficou demasiado tempo em cima do meu para se considerar um mero percalço.

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6 de abril de 2006

Telediscos do Sempre (I)

Pouca gente sabe disto, mas a prova final que o credo “o que conta é a intenção” não passa de uma léria, aquela que renega por absoluto essa máxima milenar, assume a forma de um teledisco. Recuem-se mais de 20 anos. O Live Aid ia conhecer a sua primeira edição, a qual, esperava-se, iria acabar com a fome na Etiópia e, mais importante que isso, por arrasto, com as anedotas que faziam mofa daquela delgada nação. David Bowie e Mick Jagger decidem participar em evento tão altruísta e, vai daí, resolvem protagonizar um dueto. E logo de uma canção que não era de nenhum deles. Ordenava a carga simbólica que estes dois vultos da música mundial entoassem algo que tivesse brotado de uma mente onde fervilhasse sangue africano. A primeira hipótese, “One Love” de Bob Marley, acabou por ser afastada pelos músicos britânicos, essencialmente porque era pouco alegre para combater a fome e incitava pouco ao movimento de anca, aquilo que, ver-se-ia mais tarde, era o que Jagger e Bowie realmente queriam fazer.

A segunda hipótese, “Dancing in the Street” de Martha and the Vandellas, pegou de estaca e, definido o tema, o projecto passava por ter, em pleno Live Aid, uma demonstração de tecnologia de ponta, que, bem vistas as coisas, é bastante adequado para se ajudar um país que está cheio de moscas, pó e atletas olímpicos das corridas grandes. A ideia passava então por ter Jagger, que estava em Filadélfia, e Bowie, que estava em Londres, a cantar em simultâneo, como aliás deve ser num dueto dos sadios. Só que, por vezes, o universo une-se para impedir uma tragédia. E foi o caso. A conexão por satélite implicava sempre um considerável atraso, facto que inviabilizaria o primeiro dueto intercontinental da história da música. Quer isto dizer que, bem antes daquele meteorito ter livrado o mundo do Bruce Willis naquele filme sobre não sei quê a bater na terra, já a humanidade tinha muito que agradecer a forças cósmicas. Infelizmente, nenhuma força foi suficientemente forte para impedir Mick e David de gravarem o teledisco. Um teledisco que, relembro, até serviria para compensar o facto de não se ter conseguido levar a cabo o tal dueto intercontinental. Um teledisco que, convém não esquecer, pretendia ser, apenas e só, mais uma mão amiga na luta contra a fome na Etiópia. Até isto acontecer, era a intenção que contava. Mas tudo isso iria mudar.


Asco. Nojo. Repulsa. Azedume. “Que desasseio é aquele que para ali vai?”. São estas as sensações que trespassam mente e corpo de quem se vê perante este sacrifício sob a forma de teledisco filantropo. Comece-se por onde se quiser, este “Dancing in the Street” é uma ode àquilo que mais sensações desagradáveis consegue provocar no ser humano. As danças, por exemplo. Em primeiro plano, Jagger a fazer uns assobios, enquanto gira com a ajuda de um varão, e a ter uns ataques epilépticos aos saltinhos, qual galinha sem cabeça. Bowie, mais pacato, lá mais atrás, com os seus “anda como um egípcio” e “moonwalking”, também aos saltinhos. Por outro lado, a monstruosidade das vestes fazem o Dia do Juízo Final parecer um feriado qualquer que calha à sexta-feira. Mick opta pela combinação explosiva, envergando camisa verde e calças roxas. Tudo numa espécie de velutina, mas naquela forma eternamente encarquilhada, que, sabe-se lá porquê, ainda se viu a cobrir bastantes indivíduos por aí há relativamente pouco tempo. David vai ainda mais longe. Opta pelo fato de leopardo. Numa primeira análise, pode parecer um fato de duas peças, de calça e camisa, tão normal como um fato de leopardo consegue ser. Mas, sinceramente, parece-me ser uma espécie de babygro mais largueirão e com um cinto só para disfarçar. Por cima deste cenário dantesco, e por causa da geada, uma gabardina em branco encardido. Por incrível que pareça, a vestimenta quase que passa que despercebida em determinados momentos. Nomeadamente aqueles em que Bowie, no cimo de umas escadas, dança com as mãos no bolsos, como se estivesse aflitinho para ir ao WC. Ou naquele saltinho em câmara lenta, e com a boca aberta, ao encontro do Mick.

E depois temos uma proximidade bucal que, a bem dizer, passa tão despercebida como uma retroescavadora no consultório de um proctologista. É coisa para assustar, para, ainda que, e graças a Deus, a um nível metafórico, nos imaginarmos como vítimas de empalação. Quando Mick e David aproximam as bocas, é impossível o nosso corpo não se retrair, é impossível não nos engelharmos grotescamente perante tal panorama. Aquilo é de tal forma intimidador que, quando os dois músicos optam por encostar as testas, somos invadidos por uma sensação de alívio semelhante àquela que nos invade a todos quando percebemos que aquele mendigo chato, o que, em busca de uns trocos, interpela e desafia as pessoas, está do outro lado da rua. E, quando um momento em que dois homens encostam as testas de forma ternurenta tem o condão de aliviar seja o que for, é sinal que o que ficou para trás é demasiado aflitivo para haver palavras que o descrevam.

Quem viu o teledisco original da Martha & The Vandellas sabe que não é propriamente complicado parecer mais feminino que as senhoras. Afinal de contas, elas parecem irmãos do Ru Paul, mas, David e Mick, também não era preciso exagerar, caraças. Já agora, para quem não sabia, há rumores de que Jagger e Bowie teriam, em tempos, jogado ao encaixa. Eles sempre negaram. E, para contrariar rumores dessa natureza, nada melhor que um teledisco como este “Dancing in the Street”. Um teledisco que, como se viu, depois de tão específicas danças, roupagens e daquilo das bocas, ainda consegue terminar com um plano dos seus quadris. A moral da história é que este teledisco está para a imaculada heterossexualidade dos dois senhores como o rancho de Neverland está para a de Michael Jackson. E, mais de 20 anos depois, a Etiópia continua com fome, continua a protagonizar anedotas e agora até ganha menos corridas daquelas grandes. Valeu a pena?

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1 de abril de 2006

Deportações e pauladas. Na cabeça.
















Raramente se ouve falar neles, mas a verdade é que o Canadá tem andado na ordem do dia. Antes de mais, porque anda a deportar portugueses aos magotes. Sobretudo açorianos. Ou seja, tudo leva a crer que a administração canadiana andou a ver “Os Acusados”, filme em que a Jodi Foster, empubescida marafona no “Taxi Driver”, é profanada em cima duma mesa de bilhar por um bando de emigrantes das ilhas. “Os Acusados” está então para a comunidade emigrante portuguesa como “A Paixão de Cristo” está para os judeus: toda a gente os quer matar depois de ver estas produções cinematográficas. E o Canadá, que, como toda a civilização, se baseia na máxima “se está num filme, tem que ser verdade!”, pôs-se muito naturalmente a enxotar esse pessoal das violações.

A questão mais preocupante, para Portugal, é o facto do Canadá poder, em breve, deportar também a Nelly Furtado e os inúmeros indícios de síndrome de Down que a acompanham para todo o lado. Se tal acontecer, o Canadá demonstrará acima de tudo acentuados sinais de ingratidão para com o país que, convém nunca esquecer isto, acolheu Bryan Adams durante o Verão de 69, época estival em que, narra a canção com o mesmo nome, só não viu nascer mais uma banda em Cascais porque o Jimmy foi-se embora e a Jody casou-se. Mais bandas de Cascais é coisa que todos sentimos falta, mas paciência. Por outro lado, convém também lembrar que o Canadá possui um considerável arsenal de armas de destruição massiva, onde se destacam largamente os discos, as fotos da lua-de-mel e os slides das férias da Céline Dion, e, por isso, é melhor não disputar as suas decisões feito parvinho. Pedir, sim, mas com jeitinho. Como só o Freitas do Amaral sabe fazer.

O Canadá não é só notícia porque começou a fazer aquilo que em Portugal se faz há muitos anos, embora, no nosso caso, não tenha merecido destaque mediático porque é com estrangeiros, gente que não interessa. O Canadá é com portugueses, boa gente, que trabalha e não dá chatices. Ora, aquela frígida nação também é notícia porque não é todos os dias que um país civilizado, e até admirado em muitos aspectos – curiosamente, todos fazem parte da anatomia da Pamela Anderson, da moçoila do “24” e daquela outra que fazia de monstro com o cio no “Species” –, decide que, não só é impreterível aviar milhares de focas bebé, como a melhor maneira de o fazer parece ser mesmo com pauladas na cabeça. E é preciso porque, citando as autoridades canadianas, “há muitas focas”. O critério é, de facto, magnífico e tomara Portugal aplicá-lo aos pombos e, a esta área ainda de forma mais urgente e intensa, às pessoas que cortam as unhas ou qualquer outro material com ADN em transportes públicos. Mas, diz quem sabe, que não é só por haver muitas focas, é também porque as focas, depois de mortas, dão peles fantásticas para os desfiles de moda, gorduras e óleos riquíssimos em omega-3 e, enfim, parece que até as pilas destes mamíferos desempenham um importante papel na indústria oriental dos afrodisíacos. Há algo de absurdamente provocador e cruel nesta dinâmica. Não bastando uma série de pauladas na cabeça, ainda sujeitam os pobres bichos a um massacre post-mortem, mandando-lhes as peles para cobrir as curvas de modelos, enquanto que as pilas acabam a enfeitar pratos de asiáticos decrépitos com uma tara que só encontra conforto e aconchego à pala de vídeos de animação sobre as aventuras de colegiais e tentáculos mutantes.

O massacre das focas nem é propriamente uma novidade. Há muito que se fala nisso e há muito que inúmeras celebridades se juntam ao habitual coro de protestos. Este ano, fizeram-se ouvir Paul McCartney e Brigitte Bardot. Não são os melhores símbolos de luta. Deviam escolher pessoas que pusessem o resto do mundo do lado das focas e não o contrário. O principal problema do Paul McCartney é só um, mas define tudo: o indivíduo insiste em demonstrar constantemente ao mundo que o Mark David Chapman fez pontaria ao Beattle errado. O problema da Brigitte Bardot é em tudo semelhante: insiste em provar constantemente ao mundo que o Mark David Chapman, mais que abater o Beattle errado, fez pontaria à celebridade errada. Os tempos mudam mesmo. E, se há quarenta anos atrás, imaginar Brigitte nua seria o principal vector explicativo das vertiginosas subidas nas taxas de natalidade, hoje, despir a senhora com os olhos é um instrumento de controlo de natalidade mais eficaz que a vasectomia. Se, sabe-se lá por que raio, não resultar com a Brigitte, experimente despir mentalmente o Paul, enquanto ele vai cantando a “Ebony and Ivory”. Como se trata de um dueto, o Stevie Wonder é opcional, assim como a sua possível nudez.

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