Nisto da inveja há sempre dois grupos facilmente distinguíveis. A saber, os promotores directos do fenómeno, isto é, a canalha de sequiosos por tudo aquilo que é de outrem e o camandro alado, e aqueles que, de forma indirecta, se vêem também eles envolvidos neste pecado capital, o mesmo é dizer, os que desfrutam das causas da inveja. Segundo a minha infalível opinião – facto curioso: em reuniões e coisas mais formais como conversas com crianças recorro a “parecer”, mantendo a adjectivação “infalível” –, e também segundo os últimos censos, eu enquadro-me no segundo grupo. Curiosamente, sozinho, com o Liedson, o Polga e o João Moutinho. Porém, e porque a perfeição, essa vaca, exige sempre um pouco de humildade, posso afiançar que, também eu, carrego comigo algum sentimento de inveja. Não para com qualquer característica, isso, sendo eu quem sou, seria ridículo, mas para com minudências bastante específicas. Vou, porque vocês são umas antas e não conseguem adivinhar as cenas à balda e ao calha, apontar aqui algumas. Eu sou indivíduo para considerar extremamente um pão com chouriço. Não é chourição, paio, salpicão, linguiças, nem conarias dessas. É chouriço. Vai daí que, diversas vezes durante a madrugada, eu decida preparar um pão com tão requintada vianda. Corto em rodelas e armazeno o resultado do acto no pão, com uma harmonia tão perfeita que o miolo panificado fica completamente coberto. Depois, e porque como sempre na sala ou nos quartos, sítios onde o facto de haver migalhas é sempre sobrevalorizado sob a forma de gritaria e histeria feminina que eu simiamente ignoro, há uma fase de transporte do pão com chouriço. Nessa travessia, cai-me quase sempre pelo menos uma rodela de chouriço. Nunca a encontro. Mesmo quando a sinto cair. Eu às vezes sei que ela caiu do pão, desceu a minha perna e eu, com o movimento locomotor, acabei por pontapeá-la sabe-se lá para onde. É-me igual, que nunca encontro a galdéria da rodela que caiu. Nunca. E, muitas vezes, até procuro como deve ser. Baixo-me e tudo. Afasto-me um bocadinho e desfoco o olhar, que, conselho grátis, é a melhor forma de encontrar unhas em azulejaria e clips em chãos de tom cinza. Peva de peva, não encontro. Mas, e é isto que invejo, basta chegar alguém a casa para a primeira coisa que vêem ser a rodela de chouriço que me caiu. E nem tem que ser a última rodela. Pode ter sido uma das dez últimas. Assim com’assim, nunca encontrei nenhuma. As visitas é qu’encontram. Encontram, e não conseguem deixar de ficar com aquele ar “pá, este gajo tem rodelas de chouriço no chão da sala, se calhar é melhor nem respirar pela boca enquanto aqui estiver”. A minha mãe é incrível neste campo
said...
said...
Um orgasmo literário! :D
Fala sobre isto --> :D ;) :(
MiSs Detective said...
já escrevi isto uma vez e por isso não precisava de escrever mais nenhuma.. mas é isso mesmo que a escrita do Pedro desperta em mim.. INVEJA! Mas da do segundo tipo, porque eu não tenho a culpa do Pedro escrever assim, se não escrevesse naõ em desperrtava e nada e portanto não iria ser julgada às portas do ceu, ali no purgatório com este pecado capital.
é isso e uma longa sessão de riso. ainda hoje rio com aquilo dos portugueses de sempre ou lá como era o nome desse post.
said...
já devias saber que as mães têm visão raio-x...
confesso q também tenho inveja das pessoas que aderem às conversas gratuitas de circunstancia, aliás, causa-me estranheza também, porque fico sempre a pensar que as pessoas são todas hipócritas. ninguém fala com velhas que compram verduras na mercearia por interesse ou prazer, fala-se por uma questão de super-ego... coisas que me hão-de sempre transcender...
gostei do post. um conselho, usa um pratinho para transportar a sandes de chouriço, assim já não corres o risco de fazer migalhas!;P
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Ana Paulo Santos said...
tu és o maior!
e eu invejo essa escrita, pois invejo...
said...
eh lááá... faltam aqui parágrafos!
Ana said...
«Tirando os 4 euros e tal de diferença, a segunda hipótese já implica uma aura de mariquice que a segunda hipótese afasta por completo com o seu alto nível de curiosidade mórbida»
Não está aqui um qualquer «segunda» a mais? Ou foi a inveja que me toldou o raciocínio?
Excelente, como de costume!!!
said...
Não me contive (e digo-o por ser a 1ª vez) com a relação entre o casamento e a morte. É que se não me aconteceu algo idêntico, foi bastante parecido, e que gargalhadas que o meu cérebro deu com essa partida que me pregou.
O filme, fo.. para ele. Aconselho a verem-no ihih mas não me atrevo a descrever essa cena (e já basta um). Também, não fosse a gaja que estava ao meu lado ter que levantar-se, tinha dado ao slide, e de cara bem escondida.
tymonn said...
O que já me aconteceu foi estar num funeral e em vez de me darem as condulências me deram os parabens,hehe.
Só queria dizer que tenho lido todos os teus posts, mas este sobre essa do chouriço que só nós é que não vemos, mas as pessoas que vão a nossa casa é que reparam está fantástica, são coisas que todos nós já pensámos mas nunca exprimimos, excelente post, keep it up.
Abraço
Filipe Pereira said...
As coisas que de vez enquando trazes à tona das lembranças é impressionante. Não me passava pela cabeça a cena dos espinhos colados com custe, vão para aí uns 20 anos! Obrigado pela lembrança.
ps: estou à uma semana a ver se apanho qual foi o teu contributo pró Boa Noite Alvim e ainda não consegui. Quando apanho a repetição já lá está o Gimba e o JP Simões! Já chega destes dois...quero saber do Santo! Alguém ajuda?
said...
Se reparares bem no genérico, o Santo aparece na parte da pesquisa. Pelos vistos é o único de toda a equipa que sabe o usar o Google e escrever correctamente wikipédia.
Filipe Pereira said...
Até isso gostava de ver oh João!
Será que o YouTube já tem o genérico? Já agora mais algumas dicas sobre a prestação d'O Santo. Qual foi o contributo para lá da dactilografia!?
said...
Consta que faz de stand in do Alvim quando este está na maquilhagem e os técnicos querem acertar as luzes.
Filipe Pereira said...
Compreendo! E sendo tão esquivo como só ele, o Santo justifica o tempo que os gajos das luzes levaram até acertar-lhe com elas. E justifica depois, a deprimenta camada de base que o Alvim carregava na cara. Por uns momentos suspeitei estar a ver uma geisha no lugar do capitão.
said...
Pior que achar a rodela de chouriço so mesmo achar a revista playboy que procuramos durante 2 horas para esconde-la antes que as visitas chegassem!
Belo Blog!
said...
Nop!
Pior do que isso, é mesmo encontrar a Playboy e de seguida a rodelita... Exactamente por esta ordem...
Aí sim... seria a desgraça do artista!!!!