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Olhe que não, shô Doutor! Olhe que não...

Verdades absolutas sobre basicamente tudo.
All great truths begin as blasphemies.
Nem mais. Porra. 

5 de junho de 2004

O espaço que se segue é da inteira responsabilidade dos intervenientes

A melhor coisa das campanhas eleitorais são os chamados direitos de antena. Aconselho a todos. Dá de 2ª a 6ª. A partir das 20h na 2 e por volta das 19h (antes do Preço Certo em Euros) no Canal 1. Na TVI, dá entre um dos vários episódios diários dos Morangos com Açúcar, ou seja, pode dar a qualquer hora. Mas vale a pena. Deixem-me descrever-vos os partidos que mais me impressionaram (ficam também a saber que aquilo não é estático e cada partido tem vários blocos de apelo ao voto. Falo aqui daqueles que vi.)

Eu sei que isto é grande, mas quem não ler vai, à boa maneira daqueles mails que não enviamos a dez pessoas, receber a visita nocturna de duendes possuídos que irão levar uma das meias dos seus diversos pares. Nunca mais vão ter meias iguais, percebem? Vão ter sempre uma de cada. Foram avisados!

PPM (Partido Popular Monárquico) – Um dos irmãos Câmara Pereira (os fadistas) é a figura principal. Se não sabem quem é o senhor, lembrem-se dos inúmeros debates televisivos a que já assistiram sobre as touradas. Este senhor era aquele que, defendendo acerrimamente as touradas, dizia irrefutabilidades do género “Picar, com um ferro, um touro bêbado e ferido de morte, enquanto se anda a cavalo, é sinal de masculinidade e quem não gosta não é bom na cama”. Bem, se não era ele que tinha por costume animar estas discussões, era um dos irmãos. Identificado o cabeça de lista deste moderníssimo partido, importa reflectir sobre alguns dos seus cavalos de batalha. "O mar é nosso!" (imagem do mar) "Há que elevar a tradição portuguesa!" (imagem dum castelo) Mas há mais. Este partido defende, entre outras coisas, uma política de combate efectivo à evasão fiscal. "O verdadeiro terrorismo esconde-se por detrás do sigilo bancário", dizem eles. É normal defenderem isto, visto que, como é sabido, os reis caracterizam-se por, ao longo de toda a história, terem cumprido as suas obrigações fiscais como poucos. Não há método mais eficaz que a recolha porta a porta como nos belos tempos feudais dos camponeses sem dentes.

De pullover pelos ombros, o candidato, estranhamente, apela ao voto com a promessa de que a liderança do país será entregue a quem de direito a merece: nem mais, nem menos, que a D. Duarte de Bragança. Se alguma vez no poder, este partido parece-me capaz de instaurar uma lei de extermínio completo dos pombos em território nacional por estes defecarem nas estátuas dos antepassados de D. Duarte.

MD (Movimento pelo Doente) – Um movimento que promete prezar pela nossa saúde. O apelo de campanha, foneticamente atractivo, é um “pela sua saúde, vote no Movimento pelo Doente”. Percebem? Pegaram naquela frase típica de promessa (quem nunca ouviu um “juro pela minha saúde”?) e transformaram-na num apelo ao voto. Falam três pessoas durante o direito de antena. Três velhotes (um deles diz que são "um piqueno partido, nem de direita, nem de esquerda, mas pelo doente"). Outro nem sequer é português. É suíço, mas, munido de um sotaque indisfarçável, desculpa-se com um “ah, mas isto é para as europeias e tal…”. É um partido simpático, e que não tem qualquer pudor em admitir que os seus elementos são doentes. Tem ainda a vantagem de, aparentemente, ser composto por doentes físicos, contrastando com muitos dos outros partidos, onde grassam os doentes mentais.

PNR (Partido Nacional Renovador) – O melhor de todos. Começa de forma ligeira, mas depressa resvala para o discurso típico de quem queria ter sido ele a invadir a Polónia em 1939. Um homem, aparentemente normal, está sentado num sofá com uma lareira como pano de fundo. Apela à necessidade de se respeitar o passado glorioso de Portugal e de se devolver o país aos portugueses. Pouco depois, refere que é imperativo combater a delinquência e a criminalidade. É aqui que entram as mensagens subliminares: enquanto profere a palavra “delinquência”, surge a imagem de um preto a pedir uma esmola na Rua Augusta; enquanto diz “criminalidade”, vêem-se dois “brothas” com camisolas do Shaquille O’Neal a conversar. Não sei, se calhar até foi coincidência e eles não arranjaram imagens de caucasianos a pedir ou a conversar. Conclui o seu pensamento com um inapelável “toda a gente sabe que o aumento destes casos (delinquência e criminalidade) está relacionado com as minorias étnicas”. Eu não sabia.

Começa a falar outro gajo. Um careca. Naturalmente careca, embora me pareça que o facto de não ter cabelo se coaduna perfeitamente com a política que defende. Este tem uma intervenção curta: “Ah, não sei quê, Portugal já não é nosso, os governos só se preocupam com os estrangeiros, e nós, como é que ficámos, etc., etc.” Sem estar centrado no ecrã (está, como seria de esperar, alinhado à direita), este dirigente nacional-renovador termina com um seguro dedo indicador em riste dirigido ao telespectador (gesto tão pouco natural que até mete dó), terminando em apoteose com um “contamos consigo” (quer dizer, pretos, ciganos e ucranianos, não, caraças!). Logo a seguir, uma mulher. Com um olhar psicótico como poucos, esta criatura exclama um “se és contra o aborto livre, vota PNR”. Não é preciso ir tão longe. Como a história nos tem demonstrado, basta votar PP, PSD ou PS (estes se estiverem no governo, porque na oposição são a favor de revisões) para que a lei anti-aborto continue a vigorar. Ou seja, não é grande argumento para que votemos no PNR. Já agora, a gravidez é uma situação que a senhora dificilmente experimentará, já que implica ter relações sexuais pelo menos uma vez. Por último, aparece o depoimento de um taxista (que estranho, não?) que parece convencido da necessidade de termos um PNR mais representativo em termos parlamentares. O taxista, que nem sabe o que o “R” em PNR quer dizer, salienta que está agastado com os governantes do costume e que este partido consegue levantar questões interessantes. Deve ter sido mais ou menos isto que disseram os taxistas de Berlim há umas décadas atrás perante o discurso de um baixinho de bigode.

Nota: Também ouvi uma canção Hip Hop tuga no direito de antena da coligação PSD/CDS-PP, mas não sei o que raio era aquilo. Depois apareceu o Deus Pinheiro, mas não ouvi o que ele disse porque fiquei com aquele música de merda na cabeça.

Nota 2: Também já apanhei um bocadinho do direito de antena da Nova Democracia. Parece um anúncio do Canção Nova (para quem não sabe, é um canal brasileiro de índole religiosa que, por alguma razão, existe na TV Cabo) de uma seita qualquer à procura de novos sócios. E tem o Manuel Monteiro (o senhor daquele site das reclamações) a discursar com metáforas incompreensíveis sobre a UE e um condomínio. Não sei quê, vivemos todos no mesmo prédio, mas jantamos às horas que os nórdicos querem...uma confusão pegada! Típica conversa de militante de igreja desconhecida que, a princípio, só nos quer vender uma bíblia da salvação, mas que acaba por conseguir reunir um exército de tansos cujo objectivo imediato é o suicídio no próximo eclipse do sol.


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