Ter sido puto nos anos 80 é uma dádiva a que, estranhamente, alguns indivíduos dão pouco valor. Os comportamentos desviantes eram quase nulos e, por conseguinte, os intelectuais não se debatiam sobre as más influências que a televisão ou a moda podiam representar para a criançada. Se calhar porque, pura e simplesmente, não existia televisão e muito menos moda (pelo menos, semelhante aos parâmetros actuais) Mesmo assim, ou por causa disso, a década de 80 é o exemplo paradigmático de como tudo deve ser. Se não acreditam, leiam-me com atenção.
Logo para começar, nas madrugadas televisivas, em vez de um TV Shop, em que pessoas comem cremes depilatórios, em vez do Walker, o Ranger do Texas, a fazer flexões com um aparelho semelhante a uma máquina de tortura medieval (nada se perde, tudo se transforma), ou em vez de nos impingirem frigideiras específicas para todos os tipos de comida existente, tínhamos um “piiiiiiiiiiii” ininterrupto que, acreditem ou não, era bem mais benéfico para a actividade cerebral dos telespectadores que o conteúdo do “enche-madrugadas” actual. Aliás, aí podíamos também ver as horas (sempre certas!) e, uma horinha antes da emissão abrir, ouvir música dos Resistência. E mesmo antes da emissão terminar, podíamos ouvir a versão instrumental d'A Portuguesa e treinar a letra que fomos aprendendo com os jogos da selecção (só não sabíamos o que queria dizer "egrégios").
Depois tínhamos o Euro Festival da Canção e os Jogos sem Fronteiras, que eram, para a população portuguesa, o equivalente aos Jogos Olímpicos ou ao Campeonato do Mundo (por arrasto, o Eládio Clímaco era o Gabriel Alves da época). Aquilo era mesmo levado a sério! E, caraças! Não é que vestir um fato de lycra e correr com uma bacia cheia de água até encher um pote gigantesco primeiro que os outros, podia ser mesmo divertido? E mais: o Manuel Luís Goucha ainda era a Filipa Vacondeus de então (e tinha bigode...o Manel, claro), o Herman ainda tinha piada, o grande animador televisivo era o Luís Pereira de Sousa (um gajo que estava sempre bronzeado e sorridente), e o João Loureiro dava-nos músicas bem mais agradáveis (Dá-me um ireaaaaalll...imaginááárioooo....) que agora.
Por outro lado, as histórias infantis davam-nos exemplos de vida muito mais profícuos. Por exemplo, todos crescemos com a assunção que se uma pessoa fosse um anão e trabalhasse vinte horas por dia numa mina, ainda poderia sair da mesma a assobiar e feliz da vida (ok, havia um que não, mas aquilo era mesmo mau feitio). Ou seja, em vez de se falar em exploração laboral, nós víamos aquilo como integração social dos menos afortunados. As nossas mentes ainda não estavam poluídas com a dura realidade da vida. Por exemplo, quando nos liam a Cinderela, não pensávamos automaticamente em necrofilia, e que o príncipe era um depravado sexual que beijava pessoas mortas. O Peter Pan e a Terra do Nunca não estavam ainda associados ao Michael Jackson, ainda não existiam anedotas (muito menos filmes) porno sobre o Capuchinho Vermelho, e o Calimero e a Abelha Maia ainda não haviam enveredado por uma prática constante e permanente da sodomia.
E nos anos 80, toda a gente queria ser um ninja, e não o Figo. O ninja branco claro, porque o ninja preto era mau e perdia sempre (embora as nossas mães nos quisessem convencer que o preto também era giro, nós não caímos nessa do “branco suja-se mais”). No seguimento, as Tartarugas Ninja conquistaram o coração de toda a gente. Tá bem que o seu guia espiritual era uma ratazana velha de robe, mas ainda assim foram um exemplo para toda uma geração. Aprendemos que comer pizza a toda a hora não faz mal, e que pintar a tecto da capela Cistina e combater o crime não são actividades incompatíveis. O Tunning era ainda uma patologia pouco visível. Resumia-se a meia dúzia de ineptos que colocavam um autocolante, que se tornaria famoso (a cara de uma rapariga e os seus cabelos compridos), no vidro de trás e a umas luzes parecidas com as que o K.I.T.T. tinha à frente (aquele feixe de luz, mais ou menos entre os faróis, que ia da esquerda para a direita). O descalabro começou em meados dos anos 90 com a vulgarização do CD, que, como sabem, passou a ser presença habitual nos retrovisores de muito boa gente (se for um CD normal, ainda vá que não vá, mas desde quando é que pendurar um CD-RW da TDK no espelho é fixe?).
Até prova em contrário, foi também nos anos 80 que se inventaram (ou pelo menos generalizaram) aqueles Kispos que davam para tirar as mangas. O conceito é simples: sabem aquele sensação horrível de estar insuportavelmente quente nos braços e frio no tronco? (Não? Pois...) Seja como for, com estes Kispos o problema foi facilmente resolvido, e agora bastava ao utilizador retirar as mangas do agasalho (através de um funcional éclair ou mesmo de um viciante adesivo de velcro). Os Kispos sem mangas abriram ainda o caminho para outras indumentárias do género, como as T-Shirts de gola alta ou os calções de lã e algodão.
Por falar em Kispos, outro clássico da “década dos sonhos” foi o anti-fogo. Nunca tive a sorte de ter um, mas não contesto a utilidade do produto. Esteticamente perfeito (todo preto com uma parte de lã no colarinho), o anti-fogo desempenhava uma dupla função. Por mais estranho que pareça, além de proteger do frio, o dito casaco, como o próprio nome indica, resistia a qualquer tipo de calor. Deste modo, consagrava os seus donos com uma agradável sensação de segurança, uma vez que era um utilitário de protecção essencial para a anunciada chegada do Armagedão. Infelizmente, esta irrepreensível peça caiu em desuso com o advento dos Kispos Duffy que, sobretudo devido às suas cores berrantes e hipnóticas, atiraram o anti-fogo para um canto.
Posto isto, e ainda no que às vestes diz respeito, há a salientar ainda os botins (ou galochas, como preferirem), as camisolas interiores (térmicas, de preferência) e os collants de lã (sim, até os homens podiam usar collants...). Os botins só existiam em vermelho e azul (pelo menos para os mais novos...alguns pais tinham botins pretos), as camisolas interiores em branco e collants em azul, amarelo e vermelho. Cada vez que me lembro das roupas que se usavam quando eu era puto, desconfio sinceramente se haveria Verão ou mesmo qualquer tipo de sol. De realçar que os pijamas com bolsos também se revelaram bastante prestáveis (sim, deitar-se com coisas nos bolsos era costumeiro), e, já agora, relembre-se que todas as nossas camisolas ou calças tinham aquelas joelheiras ou cotoveleiras remendadas. Ah, as calças eram todas, mas mesmo todas, de bombazine amarela ou vermelha, e não existiam sapatilhas de marca (só F.Netto, Lagartus e Alface's).
Logo para começar, nas madrugadas televisivas, em vez de um TV Shop, em que pessoas comem cremes depilatórios, em vez do Walker, o Ranger do Texas, a fazer flexões com um aparelho semelhante a uma máquina de tortura medieval (nada se perde, tudo se transforma), ou em vez de nos impingirem frigideiras específicas para todos os tipos de comida existente, tínhamos um “piiiiiiiiiiii” ininterrupto que, acreditem ou não, era bem mais benéfico para a actividade cerebral dos telespectadores que o conteúdo do “enche-madrugadas” actual. Aliás, aí podíamos também ver as horas (sempre certas!) e, uma horinha antes da emissão abrir, ouvir música dos Resistência. E mesmo antes da emissão terminar, podíamos ouvir a versão instrumental d'A Portuguesa e treinar a letra que fomos aprendendo com os jogos da selecção (só não sabíamos o que queria dizer "egrégios").
Depois tínhamos o Euro Festival da Canção e os Jogos sem Fronteiras, que eram, para a população portuguesa, o equivalente aos Jogos Olímpicos ou ao Campeonato do Mundo (por arrasto, o Eládio Clímaco era o Gabriel Alves da época). Aquilo era mesmo levado a sério! E, caraças! Não é que vestir um fato de lycra e correr com uma bacia cheia de água até encher um pote gigantesco primeiro que os outros, podia ser mesmo divertido? E mais: o Manuel Luís Goucha ainda era a Filipa Vacondeus de então (e tinha bigode...o Manel, claro), o Herman ainda tinha piada, o grande animador televisivo era o Luís Pereira de Sousa (um gajo que estava sempre bronzeado e sorridente), e o João Loureiro dava-nos músicas bem mais agradáveis (Dá-me um ireaaaaalll...imaginááárioooo....) que agora.
Por outro lado, as histórias infantis davam-nos exemplos de vida muito mais profícuos. Por exemplo, todos crescemos com a assunção que se uma pessoa fosse um anão e trabalhasse vinte horas por dia numa mina, ainda poderia sair da mesma a assobiar e feliz da vida (ok, havia um que não, mas aquilo era mesmo mau feitio). Ou seja, em vez de se falar em exploração laboral, nós víamos aquilo como integração social dos menos afortunados. As nossas mentes ainda não estavam poluídas com a dura realidade da vida. Por exemplo, quando nos liam a Cinderela, não pensávamos automaticamente em necrofilia, e que o príncipe era um depravado sexual que beijava pessoas mortas. O Peter Pan e a Terra do Nunca não estavam ainda associados ao Michael Jackson, ainda não existiam anedotas (muito menos filmes) porno sobre o Capuchinho Vermelho, e o Calimero e a Abelha Maia ainda não haviam enveredado por uma prática constante e permanente da sodomia.
E nos anos 80, toda a gente queria ser um ninja, e não o Figo. O ninja branco claro, porque o ninja preto era mau e perdia sempre (embora as nossas mães nos quisessem convencer que o preto também era giro, nós não caímos nessa do “branco suja-se mais”). No seguimento, as Tartarugas Ninja conquistaram o coração de toda a gente. Tá bem que o seu guia espiritual era uma ratazana velha de robe, mas ainda assim foram um exemplo para toda uma geração. Aprendemos que comer pizza a toda a hora não faz mal, e que pintar a tecto da capela Cistina e combater o crime não são actividades incompatíveis. O Tunning era ainda uma patologia pouco visível. Resumia-se a meia dúzia de ineptos que colocavam um autocolante, que se tornaria famoso (a cara de uma rapariga e os seus cabelos compridos), no vidro de trás e a umas luzes parecidas com as que o K.I.T.T. tinha à frente (aquele feixe de luz, mais ou menos entre os faróis, que ia da esquerda para a direita). O descalabro começou em meados dos anos 90 com a vulgarização do CD, que, como sabem, passou a ser presença habitual nos retrovisores de muito boa gente (se for um CD normal, ainda vá que não vá, mas desde quando é que pendurar um CD-RW da TDK no espelho é fixe?).
Até prova em contrário, foi também nos anos 80 que se inventaram (ou pelo menos generalizaram) aqueles Kispos que davam para tirar as mangas. O conceito é simples: sabem aquele sensação horrível de estar insuportavelmente quente nos braços e frio no tronco? (Não? Pois...) Seja como for, com estes Kispos o problema foi facilmente resolvido, e agora bastava ao utilizador retirar as mangas do agasalho (através de um funcional éclair ou mesmo de um viciante adesivo de velcro). Os Kispos sem mangas abriram ainda o caminho para outras indumentárias do género, como as T-Shirts de gola alta ou os calções de lã e algodão.
Por falar em Kispos, outro clássico da “década dos sonhos” foi o anti-fogo. Nunca tive a sorte de ter um, mas não contesto a utilidade do produto. Esteticamente perfeito (todo preto com uma parte de lã no colarinho), o anti-fogo desempenhava uma dupla função. Por mais estranho que pareça, além de proteger do frio, o dito casaco, como o próprio nome indica, resistia a qualquer tipo de calor. Deste modo, consagrava os seus donos com uma agradável sensação de segurança, uma vez que era um utilitário de protecção essencial para a anunciada chegada do Armagedão. Infelizmente, esta irrepreensível peça caiu em desuso com o advento dos Kispos Duffy que, sobretudo devido às suas cores berrantes e hipnóticas, atiraram o anti-fogo para um canto.
Posto isto, e ainda no que às vestes diz respeito, há a salientar ainda os botins (ou galochas, como preferirem), as camisolas interiores (térmicas, de preferência) e os collants de lã (sim, até os homens podiam usar collants...). Os botins só existiam em vermelho e azul (pelo menos para os mais novos...alguns pais tinham botins pretos), as camisolas interiores em branco e collants em azul, amarelo e vermelho. Cada vez que me lembro das roupas que se usavam quando eu era puto, desconfio sinceramente se haveria Verão ou mesmo qualquer tipo de sol. De realçar que os pijamas com bolsos também se revelaram bastante prestáveis (sim, deitar-se com coisas nos bolsos era costumeiro), e, já agora, relembre-se que todas as nossas camisolas ou calças tinham aquelas joelheiras ou cotoveleiras remendadas. Ah, as calças eram todas, mas mesmo todas, de bombazine amarela ou vermelha, e não existiam sapatilhas de marca (só F.Netto, Lagartus e Alface's).